O ano é 2018 e passada a ressaca de mais um Dia da Consciência Negra difícil, vamos conversar. Momentos difíceis na política nacional e futuro em xeque por conta da eleição de um presidente que chamou quilombolas de preguiçosos, pretende lhes tirar as terras, que acha que esse papo de minorias é mimimi, que a meritocracia é o que deveria ditar as oportunidades nesse país e que a polícia deveria ser ainda mais truculenta, sendo que pro preto ela sempre foi e é a que mais nos mata.

A perspectiva não é nada boa, mas neste momento é importante olharmos para quem somos e nos fortalecermos como unidade. O país segue se vendo como uma nação negra, sendo que a cada novo senso percebemos que mais pessoas se identificam como tais, mas também temos o dever de nos unir como cultura, no caso, a cultura hip-hop. Pra mim, particularmente, esses dois pontos caminham juntos.

Respeitosamente deixando de lado os demais elementos da cultura hip-hop e focando no MC e DJ, que formam o rap, é notável como a auto-estima de jovens negros e brancos foram construídas a partir de versos de grupos que desde a década de 1980 dizem que o negro é lindo, que o sistema está contra você e que é possível batalhar e conseguir alcançar seus sonhos, assim como o samba já disse no passado, por exemplo. E podemos ir além, uma vez que a cultura oral africana é milenar e representada pelos griôs, termo que entre outros significados se remete a um lugar social e político na comunidade para transmissão oral dos seus saberes e fazeres.

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Não sei você, mas eu me lembro lucidamente como fui impactado positivamente pelas letras de griôs contemporâneos como Tupac Shakur, quando comecei a aprender as primeiras palavras em inglês, depois com Xis, Racionais MCs, Consequência, Sabotage e mais tarde De La Soul, A Tribe Called Quest, entre tantos outros. Foi ali que pela primeira vez, ou ao menos uma das primeiras vezes, ouvi a palavra negro ser aplicada de forma positiva, foi nessas letras que entendi que podia ser inteligente sem ver isso como uma falta de humildade, que podia conseguir ir além do que a sociedade dizia esperar de mim e que eu podia contrariar a estatística.

Ali deixei o afro crescer, fiz tranças nagô, comecei a usar roupas largas com estampas da 4P, marca do Xis e do DJ KL Jay, com a imagem dos meus heróis MC’s e DJ’s estampadas e passando a frequentar ambientes em que tive a oportunidade de conviver com outros pretos que curtiam o mesmo som que eu. E ia além, pois a ideia de ser questionador, de querer se expressar frente à opressão do dia a dia e de se sentir parte de algo maior, coisa que só a música conseguiu fazer. Quando dizem que o hip-hop salvou uma vida, não ache que é exagero, ele realmente fez isso para um incontável número de pessoas.

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Se você ainda não sabia dessa, entenda que o hip-hop é preto, sua origem é negra nos bairros periféricos de Nova Iorque e essa é uma cultura inclusiva, que no Brasil e no mundo trouxe brancos, primeiramente periféricos e hoje de qualquer classe social, para perto de uma realidade e cultura negras. Sendo assim, o branco que está junto do hip-hop, em teoria, tem mais acesso e, consequentemente, respeito pela cultura negra por ter sido acolhido e querer fazer parte daquilo, se identificando com todos os fundamentos ali propagados. Uma pena que esse comportamento não se reproduza por toda a sociedade.

Neste 20 de novembro de 2018, o décimo aniversário de Zumbi dos Palmares que o Per Raps comemora, a música rap nunca foi tão importante para a juventude, adultos e também aos mais velhos, assim como a responsa dos artistas de passar uma mensagem relevante também importa mais do que nunca. Que a troca de ideias e difusão de conhecimento prevaleça, abrindo espaço para que a negritude tenha seu valor enaltecido e que a música vença no final. Asè.

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