Hoje, numa tarde de garoa em SP, estava saindo da estação do metrô de cabeça baixa para enxergar o chão molhado e não tropeçar. Nestes dias de chuva é preciso muita paciência e olho aberto.

Levantei a cabeça e vi as duas pessoas que andavam mais à frente desviando de uma poça imensa. Inevitável enxergar aquele pequeno alagamento no caminho. Era necessário fazer uma volta muito maior para seguir em frente, mas pelo menos você não molharia o tênis inteiro.

Enquanto contornava a poça com elas, olhava as pessoas que vinham atrás de mim e não queriam aceitar fazer esse obstáculo. Duas pessoas nos seguiram, mas umas outras cinco atravessaram no meio da poça, molhando os tênis, encharcando as meias, aquele microdesastre.

Passei de lado, balançando a cabeça negativamente. O que essas pessoas estavam pensando, afinal? Andando no meio da poça, sujando seus pés. Todas elas estavam ali cientes do que estava acontecendo, com os pés já ensopados, mas escolheram seguir em frente.

“O Brasil é isso aí né”, pensei, do alto dessa mascarada superioridade que a gente finge não ter.

Dois passos à frente, piso eu mesmo numa poça.

Tava ali na minha frente todo um tratado sobre o que estamos começando a viver. Um fascismo criado pelo conservadorismo que o brasileiro escondeu por tanto tempo dentro do armário e que agora encontra um líder supremo naquela figura detestável que prefiro nem nomear.

Assim como a chuva que cai, o pensamento conservador vai contagiando tudo aos poucos, molhando os carros, as casas, as roupas no varal. De repente, se forma uma pequena poça aqui, outra ali. E quando você começa a perceber tem uma poça imensa na sua frente. Não tem como negar, ela vai estar ali. Vai depender da gente dizer às pessoas “olha, não vá por este caminho que vai ser pior pra você”. Ou você pode só passar olhando torto e as chamando de bestas por estarem escolhendo um caminho claramente errado como aquele.

Mas independente do que você escolher fazer, isso vai estar por toda parte. Em algum momento você vai acabar molhando seus pés também e vai notar que está bem no meio da poça. Por culpa do outro, da chuva, do fascismo, ou só porque você escolheu olhar os outros com desdém.

(originalmente publicado no resiliente staying alive was no jive)

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