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– por Mayra Maldjian (@maymaldjian)

Pergunte à sua MC favorita quais são as principais influências dela – vai ser quase impossível não ouvir Lauryn Hill entre as respostas, pode apostar. E a raiz disso está logo ali, em 1998 (parece que foi ontem, eu sei!), na concepção do álbum “The Miseducation of Lauryn Hill”, o primeiro e único da carreira solo da cantora, rapper, produtora e atriz norte-americana de Nova Jersey, um disco que quebrou barreiras e levou o rap ao mainstream de uma forma arrebatadora, abrindo as portas da indústria musical para as manas e moldando a sonoridade não só do rap e do r&b, mas do pop em geral, desde então.

Na época, a geminiana Lauryn Noel Hill completava 23 anos e já vinha deixando o mundo inteiro de queixo caído com seu trampo no The Fugees, ao lado de Pras Michel e Wyclef Jean. O trio havia lançado dois discos, “Blunted on Reality” (1990) e “The Score” (1996). O segundo e último do grupo, de onde saíram os hits “Ready or Not”, “Fu-Gee-La” e “Killing Me Softly”, levou o Grammy de melhor álbum de rap no ano seguinte e entrou para a lista dos clássicos indispensáveis do hip hop.


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Entre um disco e outro, a jovem artista chamou atenção nas telonas no papel de Rita Watson, no filme “Mudança de Hábito 2” (1993), ao lado de Whoopi Goldberg, uma estudante super talentosa e rebelde que sofria um bocado por não ter o apoio da mãe para realizar o seu sonho de ser cantora. Ali, naquele filme, Lauryn já começou a formar um público ao soltar a voz em clássicos gospel como “His Eye Is On The Sparrow”. Mas foi com o single “Killing Me Softly”, famosa nos anos 70 na voz de Roberta Flack, que ela estremeceu tudo em 1996 – a música também levou um Grammy, na categoria de melhor performance de r&b de um duo ou grupo, e gerou uma expectativa monstra em torno de sua estreia solo.

E quando chegou a hora, Lauryn não economizou no peso. Gravidíssima de Zion, seu primeiro filho, fruto de seu relacionamento com Rohan Marley, ela soltou em julho de 1998 o clipe de “Doo-Wop (That Thing)”, primeiro single do “Miseducation”, que ficou quatro semanas consecutivas no topo da Billboard – só a Cardi B conseguiu esse feito, 19 anos depois, com o hitzão “Bodack Yellow”. “Doo-Wop” já nasceu hino, trazendo à tona uma mensagem de empoderamento de mana para mana, um alerta para as garotas não se submeterem aos hoje chamados boys-lixo. Foi um baita despertar para o feminismo na música pop, um pontapé para desconstruir a imagem estereotipada e ultrassexualizada da mulher no tão machista universo do rap e por aí vai. 

“The Miseducation of Lauryn Hill” veio em agosto, um mês depois de “Doo-Wop”, seguindo nessa mesma pegada de “reeducação”, tanto em relação ao conteúdo lírico quanto sonoro. Um disco bem biográfico e papo reto, em que Lauryn mostrava quem era de verdade – um ser humano como qualquer outro – a partir de sua visão sensível e política sobre os venenos da vida. Mas tudo isso não impactaria tanto a garotada, principalmente no Brasil, em que rolava essa barreira da língua, se não fossem sua atitude tão genuína – ela tinha uma vibe equilibrada de maloqueragem e feminilidade intrigante – e sua versatilidade musical – sabia como ninguém incorporar melodia em seu flow e alternar entre o refrão cantado e as estrofes rimadas com a naturalidade de quem respira.

Produzido por ela mesma e co-produzido por Che Guevara (também conhecido como Che Pope, que hoje em dia assina trabalhos como a co-produção executiva do disco “Yeezy”, do Kanye West), “Miseducation” foi feito pra ouvir do início ao fim, sem pular faixas, deixando-se conduzir pelos interlúdios ambientados em uma sala de aula. Nas 14 tracks, Lauryn condensa de uma forma muito única a potência do rap, a sua veia reggae (já conhecida de seu trabalho no Fugees) e a suavidade do r&b e do neo soul. E é isso tudo que faz essa obra-prima digna do status de um dos mais importantes discos da história do hip hop.

“Lost Ones”, por exemplo, abre o disco numa paulada. O beat bem cru e marcante deixa evidente o tanto que Lauryn consegue transmitir com sua voz grave, quase rouca. E, então, vem o r&b “Ex-Factor”, com uma instrumentação de suspirar e uma poesia que só traz verdades sobre a complexidade das relações amorosas: “loving you is like a battle, and we both end up with scars”, pra citar. “To Zion”, com os riffs do guitarrista Carlos Santana, faz a gente engolir seco: ela versa sobre sua decisão de ter seu filho em vez de tirá-lo para “preservar” sua carreira, como alguns sugeriram a ela na época. Além do guitarrista, também participam do disco Mary J. Blige, em “I Used to Love Him”, e D’Angelo em “Nothing Even Matters”.  

Com “Miseducation”, Lauryn fez a rapa no Grammy de 1999, levando cinco troféus (foram 11 indicações) para casa, inclusive o de álbum do ano, conquista inédita para um disco de hip hop até então, e vendeu, na semana de lançamento, mais de 420 mil cópias. Hoje, são mais de 19 milhões de cópias vendidas mundialmente e um legado imensurável para a história da música.

É muito louco pensar que este foi o primeiro e único disco da cantora. Depois dele, Ms. Hill só lançou, em 2002, o “MTV Unplugged”, gravado ao vivo no ano anterior. Rouca e bastante emocionada, Lauryn mostra ao violão novas canções e algumas spoken words sobre suas lutas pessoais e profissionais. Um registro bem sincero que comoveu bastante os fãs e rendeu críticas meia-boca da mídia. Alguma coisa não ia bem na vida de Lauryn e isso era bastante perceptível em suas performances muitas vezes conturbadas e na sua dificuldade de dar uma continuidade à sua carreira artística. De lá pra cá, os altos e baixos continuaram. Em 2013, ela passou três meses presa por sonegação fiscal e lançou a música “Consumerism”, em que critica o consumismo. As coisas ainda continuam estranhas, mas ela segue firme nos palcos – agora, ela está em turnê para celebrar os 20 anos de sua obra-prima – mesmo que os shows não agradem a todos. Daqui, continuamos torcendo por ela!  

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