#resenha

O sotaque já denuncia que o grupo Síntese é representante do interior do estado, não tão interior assim, mais especificamente São José dos Campos. Os versos, no estilo “nervoso na rima”, apareceram da forma que o rap mais costuma entregar, pela internet, mas não como mais um disco, e sim uma daquelas pancadas sonoras que, se tocadas durante o expediente ou durante aquele cochilo na volta do trabalho, causa estranhamento e, logo depois, curiosidade.

Formado por Leonardo Siqueira aka Léo (MC) e Gestério Neto, conhecido simplesmente como Neto (beatmaker/MC), o grupo traz a mixtape Sem Cortesia logo após dois experimentos, a DemoTape (2010) e a Promotape (2011), que tinham a humilde função de apresentar o grupo aos ouvintes de rap da região, mas serviram de embriões para algo maior, em tamanho e qualidade. O trabalho amadureceu, ultrapassando os limites da cidade natal da dupla e chegando inclusive ao Manos & Minas, um dos únicos programas dedicados ao hip-hop do País.

Sobre o disco

Fica bastante evidente ao ouvir o Sem Cortesia que o grupo tem muito a dizer, não apenas pelas 28 faixas de seu primeiro trabalho, mas pela ambivalência de pensamentos e pela diversidade de opiniões em forma de rima espalhadas pelas músicas, interlúdios em forma de poesia (uma grande sacada) e uma “nota explicativa” – uma conversa em estilo brainstorm que chega a quase 12 minutos de palavra falada que rolou no dia da última final da Copa Libertadores da América.

Aliás, outro ponto positivo do Síntese é deixar bem clara sua posição e seu modo de pensar o mundo. Muitas das letras trazem temáticas fortes e “pano pra manga” como valores, Deus, amor e natureza. Tudo isso permeado por muito dedo na cara e protesto que não morre no discurso e parte diretamente ao engajamento social – a dupla fez show na comunidade do Pinheirinho com outros grupos de rap e bandas de hardcore colaborando com a causa, por exemplo. De qualquer forma, não se engane: o grupo também fala de globalização, hip-hop, ativismo, cenas e histórias do subúrbio entre beats sujos nada menos que sensacionais. Nota-se também um ótimo trabalho instrumental durante todo o disco.

O flow pesado e o estilo do Síntese, em alguns momentos, lembram o tom e imposição de nomes como Dexter e Tio Fresh, o que garante a originalidade dessa dupla que, instintivamente ou ainda que de maneira referencial, bebe da fonte de grandes nomes do rap.

A sensação ao terminar de ouvir o Sem Cortesia é a mesma de ter ouvido um longo e urgente desabafo, um discurso que precisava chegar aos ouvidos de muita gente uma hora ou outra para talvez abrir os olhos e enxergar a música sincera e de extrema qualidade que acontece a sua volta e, mais que isso, parar e repensar o mundo em que você vive, algo que só os grandes discos de rap tem o poder de fazer.

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