Da heresia, Djonga teve a ambição de um menino que queria ser Deus, se tornou ladrão, contou as histórias da sua área e agora está nu. Essa jornada, que começou bem antes dele se decidir fazer da música seu ganha pão, pode representar a máxima de que a arte imita a vida. Querendo ou não, o MC mineiro é o representante da sua geração. Talvez um dos mais bem sucedidos e representativos dos últimos 10 anos.
Ele transformou sua arte em missão. Virou herói, voz ativa de uma juventude preta e periférica, admirado pelos playboys, respeitado pelos grandes medalhões do rap, exemplo para os mais novos, adorado por uma legião de fãs [pude presenciar essa devoção de perto em diferentes shows]. “O objetivo sempre foi esse: ser conhecido, tocar corações. Menos que isso não teria motivo da gente estar aqui”, disse ele numa conversa que tivemos no João Rock 2019.
Consequentemente, o alvo nas suas costas ficou ainda mais visível. É sobre isso que ele aborda em mais da metade dos 30 minutos e 3 segundos do álbum Nu.
Dessa vez, o 13 de março foi atípico. Mas não quer dizer que foi menos esperado. Havia uma grande expectativa para saber qual seria o direcionamento das ideias, principalmente depois de Djonga ir do céu, por ser indicado ao BET Hip Hop Awards, até o inferno, depois que se apresentou no Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19.
Naquele momento (05/12/20), os hospitais da capital do RJ estavam com mais de 90% dos leitos de UTI ocupados [na mesma semana, o Enézimo, MC do Pau de Dá em Doido e um dos MCs mais militantes em SP, faleceu por consequência do vírus]. Inevitavelmente, o rapper foi intensamente criticado nas redes. Logo, ele deletou sua conta no Twitter e ficou off no Instagram, mas não reconheceu o erro – que todos estamos suscetíveis.
Há quem considere que houve um cancelamento virtual, porém, Djonga está muito longe de ser cancelado. As críticas vieram de todos os lados por sua influência, discurso e posicionamentos. A atitude nobre de levar alegria para quem só se fode diariamente, também abriu precedentes para a disseminação do vírus entre essa mesma população.
Esse foi o motivo de diversas opiniões negativas serem disparadas na direção dele. “Tudo é passível de crítica, até o Djonga. Mas tem que embasar a crítica. O que não pode é criticar por criticar”, afirmou. Quando elas chegaram, mesmo com embasamento, não foram bem aceitas.
Tudo isso reverberou no disco. Adiá-lo poderia ser uma opção. Mas Djonga tinha um compromisso a cumprir com seus fãs, e de certa forma dar sua versão dos fatos. Mais uma vez, a fórmula é mantida. A textura musical tem mais corpo que o anterior e a voz está alinhada, sem os altos e baixos de “Histórias da Minha Área”. A temática das músicas giram em torno de um mesmo assunto. Há uma mea culpa. Os ataques são poucos. A estratégia é jogar na defensiva para pegar o contra-ataque quando possível.
Isso acontece em alguns momentos: (1) “Nós” abre com uma mensagem de resistência, que ao longo do andamento vira um protesto e cai no desabafo; (2) “Ricô” sai um pouco da curva pelas interpretações que Djonga faz nos versos, não segue um padrão (mas a letra cais no mesmo lugar que as demais); (3) ”Dá Pra Ser” destaca a incrível voz da Budah, que é responsável por dar luminosidade à canção.
Nos parâmetros do Djonga, este é um trabalho que entrega aquilo que o público quer ouvir. Agrada a audiência mirando os haters. A receita de sempre tem poucos ingredientes adicionais. Pode ser que no futuro, essa percepção mude – e este se torne um clássico. Porém, diferente de “Heresia”, “O Menino que Queria ser Deus” e (até) “Ladrão”, “Nu” não pega o ouvido no primeiro play e não te convida a ouvir novamente por completo. Apesar de “Histórias da Minha Área” ser um dos favoritos do Djonga, ele também não conquista. Tem alguns destaques, como “Hoje Não”, mas não é como os primeiros que você ouve sem pular nenhuma track.
É fato que Djonga tem seu valor. Erros não podem, e não serão decisivos, para apagar a história que ele tem escrito. Também não está isento de ser criticado por escolhas (consideradas) erradas e até pela sua arte. A crítica é apenas uma visão pessoal de quem ouve/observa, isso não quer dizer que seja uma verdade absoluta. Nem sempre tudo é sensação, sensacional.
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