Assim Tocas os MEUS TAMBORES, novo disco de Marcelo D2, tem um paralelo bem interessante com o livro Slumberland. Nele, Ferguson Sowell (DJ Darky) cria um beat complexo que impressiona todos os beatmakers do seu grupo. Algumas propostas de compra chegam, mas a intenção é deixá-lo perfeito. Para isso, ele vai à Alemanha tentar encontrar um lendário jazzista, Charles Stone (Schwa) – que pode não estar vivo. Só com a ajuda dele, o DJ Darky conseguirá aperfeiçoar sua batida. Nessa jornada, ele se torna um sommelier de jukebox num bar voltado aos amantes de jazz. E então, é ali que a magia acontece.

Então, o que o romance do Paul Beatty tem a ver com Assim Tocam os MEUS TAMBORES? Quase tudo! Não sei se D2 leu a história em algum momento, mas há uma conexão na busca de Ferguson e o processo de produção que o rapper escolheu. Por conta do isolamento social, o MC carioca decidiu fazer um projeto para falar do momento caótico que o mundo vive.

Essa também foi a forma que ele encontrou para se “isolar” dos haters, principalmente após as críticas (no Twitter) direcionadas ao atual presidente e ao governador de São Paulo. O lugar de refúgio foi o Twitch, plataforma de streaming de vídeo ao vivo. Lá, Marcelo Peixoto se reuniu com o seu público (quem estava afim de se envolver) e em tempo real chamou beatmakers, produtores, rappers, um historiador, poetas e cantores para colaborar no álbum.

Antes de mais nada, a arte dos tambores de Marcelo D2

Nas lives, D2 também apresentou suas referências, em vinil, arte visual, livro. Assim como Sowell usou o seu conhecimento em jazz para fazer uma seleção ideal para os ouvintes, ele também se tornou um sommelier artístico ao fazer esse compartilhamento cultural. Esse laboratório também foi essencial para direcionar o desenvolvimento dos sons. Mais importante que isso foi a disseminação de conhecimento. No entanto, talvez o disco e o filme tenham sido apenas consequência de algo maior, que é a contribuição para abrir a visão daqueles que acompanharam de perto, mesmo estando longe.

Apesar de todas as impossibilidades que a distância proporciona, Marcelo D2 conseguiu superar as expectativas, e a si próprio. De alguma forma, conseguiu se fechar para oxigenar a mente. Fugiu do nevoeiro. E não deixou com que a raiva tomasse conta. Mas é possível que tenha concluído que não conseguiria mudar a situação do país batendo de frente com os bots no TT. Teve que dar um tempo, repensar as atitudes, arquitetar o plano e sacar da gaveta seu armamento mais potente: a arte.

“Mesmo trancado em casa
Ninguém segura a gente”.

Sobre o disco Assim Tocas os MEUS TAMORES

Marcelo D2 se isola dos haters para criar álbum com processo aberto na Twich

Musicalmente, ATMT é impecável. Tem toda a brasilidade já explorada na discografia do Marcelo. Mas há uma pluralidade maior, e junções acertadas de jazz, maracatu, rock, funk, samba, soul. O resultado final é o reflexo da escolha de quem estaria na linha de frente e o pelotão da retaguarda. O alistamento foi feito na hora, por telefone, após indicações de quem acompanhava as transmissões. Alguns aceitaram na hora, outros pensaram e poucos não conseguiram fazer parte. Mas no final, todos foram essenciais para alicerçar a obra, que tem uma composição diversa. Assim como em Amar é para os fortes, o storytelling é bem amarrado para se alinhar com o audiovisual – dessa vez não se faz necessário assistir o longa para entender o conceito geral do LP.

Mesmo com toda a carga emocional desse tempo, Assim toca os MEUS TAMBORES não tem um discurso violento. É leve até nas letras mais pesadas, de contestação. O D2 soube aproveitar muito bem a expertise dos seus convidados, de idades, realidades e experiências diferentes. Até por isso, essa diversidade gerou um trabalho único, que registra com precisão um dos períodos mais críticos da sociedade moderna. Não considero este o melhor trabalho do D2, porém está entre os mais consistentes (batendo de frente com Nada Pode Me Parar). É uma aula de como se reinventar e fechar parcerias diversas sem ser burocrático. Só que é claro que os altos e baixos existem. Os picos estão espalhados. E os protagonistas nem são o artista principal.

Algumas faixas em destaque

Primeiramente, ROMPE O COURO traz vocais da Juçara Marçal que roubam a cena; o monólogo TAMBOR, O SENHOR DAS ALMAS, do Luiz Antônio Simas, interpretado por Criolo, não seria tão perfeito se o MC paulista fizesse uma participação rimando; e as camadas do background produzido pelo Dr. Drumah para É AMANHÃ (VEM) traz uma atmosfera de Nova York dos 90’s (sem sujeira) com referência de jazz e bossa nova; vale também citar a ode à Chico Science e Naná Vasconcelos na MALUGOFORTE.

Mas será que há “ponto baixo”? Se sim, esse poderia ser considerado MAGRELA87. É fácil entender. D2 deu aquela relaxada para fazer uma declaração de amor para sua esposa Luiza Machado, também responsável por toda a produção do LP.

Por fim, na composição da obra, ATOMT é irrepreensível. Agrada os ouvidos mais apurados e os descompromissados. Não tem como ouvir apenas uma vez.

“Nós somos fortes, juntos mais forte ainda
Não tá mole pra ninguém
Mas o certo é certo e ninguém solta a mão de ninguém  
Batuque na cozinha tem
Resistência tem também”

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