O ano é 1994. Nelson Mandela se tornava presidente da África do Sul. O mundo perdia Kurt Kobain e assistia, ao vivo, a morte de Ayrton Senna após um grave acidente no Grand Prix de San Marino. No entanto, talvez um dos fatos mais lembrados seja o tetracampenato conquistado pelo Brasil, na Copa do Mundo dos Estados Unidos, após decisão nos pênaltis contra a Itália de Roberto Baggio.

O que talvez você não saiba ou não se lembre é que, no mesmo ano, era lançado illmatic, álbum de estreia de Nasir Jones, ou como era conhecido no mundo do rap, simplesmente Nas. O disco não foi um sucesso estrondoso de vendas logo de cara, mas foi de crítica, quebrando barreiras do gênero musical e servindo futuramente como inspiração para inúmeros MCs, além de projetar Nas ao mundo.

“(O ano de 19)94 era uma época em que se lançava muita coisa boa. Hoje vejo os álbuns que fazem 20 anos em 2014 e percebo que vários dos considerados ‘clássicos’ foram lançados nesse ano. E o illmatic veio com expectativas”, contextaliza o MC Kamau. E não foi apenas esse integrante da cena rap brasileira que se impressionou com o disco. “Eu ainda lembro o que senti quando assisti o clipe de “It Ain’t Hard To Tell” pela primeira vez, na MTV, quando o YO! passava na madruga. Ou o que senti ao ler e traduzir o primeiro verso de “NY State of Mind” lendo as últimas páginas de uma Rap Pages”, relembra com nostalgia o produtor e MC, Parteum.

Diferente dos dias de hoje, a música não tinha a grande velocidade de compartilhamento. Agora, ouvir um álbum lançado há décadas atrás é tão fácil quanto ouvir um disco que ainda será lançado e já vazou na web. Imagine um mundo ainda analógico que, por exemplo, via a China se conectar pela primeira vez à internet? “A primeira vez que ouvi as músicas do disco do Nas foi por meio de uma fita K7 que um amigo meu gravou, com a ficha técnica escrita a caneta num papel dobrado. Eu já tinha visto a capa do disco importado na Galeria 24 de Maio, fiquei curioso pra saber quem era esse tal de ‘Nés’ (eu pensava que era assim que pronunciava)”, conta o editor do site Central Hip-Hop (ex-Bocada Forte), o DJ Cortecertu.

Enquanto isso, os Estados Unidos mostravam ao mundo sua melhor safra em termos de rap. “Quando (illmatic) foi lançado, eu tinha 9 anos de idade, sou de uma geração que começou acompanhar 4 ou 5 anos depois, no final do anos 90, mas mesmo ali o disco ainda repercutia fortemente como referência no rap junto com álbuns que foram lançados no decorrer desses anos como o “Me Against The World” do Tupac (Shakur), “Resonable Doubt” do Jay Z, o “The Love Movement” do A Tribe Called Quest, “BlackStar” da colab entre Mos Def e Talib (Kweli), “Stakes is High” do De La Soul e outros que figuraram da metade dos anos 90 em diante e foram importantes pra minha formação e conhecimento musical”, relembra Marcílio Gabriel, ex-apresentador do Programa Freestyle e produtor cultural de rap.

No Brasil, o rap passava por fortes influências vindas dos discos The Chronic (1992), de Dr. Dre, e Creepin on ah Come Up (1994), do Bone Thugs n’ Harmony, com o gangsta rap e o g-funk em ascensão. “O disco foi lançado em 1994, período em que a tecnologia produzia samplers mais poderosos, mas acho que seu poder estético foi sentido entre o final dos 1990 e início dos 2000, época de renovação na forma de fazer rap no Brasil”, pontua Cortecertu.

Essa influência tardia de illmatic garantiu inspiração para emcees que hoje são destaque no rap feito no Brasil, como é o caso do MC Rashid. “Sou um grande fã do Nas, e desde que conheci o trampo dele, ele virou uma referência pro meu trabalho, naturalmente, o illmatic também”. A longevidade de um álbum que completa 20 anos e que segue causando impacto na indústria fonográfica mostra como esse é um trabalho único. “Pela velocidade com que a informação chegava na gente antes da internet, eu demorei um pouco pra conhecer o illmatic, mas quando ouvi a primeira vez pensei: esse cara é foda, quero ser igual ele!”, conclui.

Quem resume bem a importância do álbum para o rap, a cultura hip-hop e para os ouvintes, é Marcílio Gabriel. “O Illmatic é um livro, é uma obra de arte, é uma jóia ou pedra rara. É um disco que não tem tempo ou momento pra se ouvir. Já foi trilha sonora de reflexão pós termino de namoro como também foi trilha da primeira viagem internacional (…), como a gente costuma falar é ‘trilha sonora pra vida’ “.

Não importa se você ouviu illmatic na época em que foi lançado, conheceu depois ou só está ouvindo falar agora: o álbum é um clássico que transcende barreiras de tempo ou gênero musical e se garante como um dos mais importantes da história da música. Para quem gosta de rap, ouvi-lo é quase uma obrigação, mas sua compreensão e admiração de seu valor costumam vir com o tempo, após diversas audições. Faça um favor aos seus ouvidos e ouça ainda hoje o illmatic.

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