Foto: reprodução/Sesc Santo André

Texto: Carol Patrocinio

“Por que essa vadia não sai logo do palco?”. Foi a frase que me fez entrar em uma discussão durante o show da Flora Matos no Festival Batuque. Em 2015 escrevi um texto explicando o motivo de não ir ao evento daquele ano: faltavam mulheres no palco e eu não me sentia representada. Em 2017 as coisas mudaram: metade das atrações foram femininas. Pra mim foi de encher os olhos de lágrimas olhar o line up e ver as minas que acompanho há tantos anos ganhando destaque. Porém o público ainda não está acostumado a ver mulheres em lugares de destaque.

Na primeira vez que o cara gritou fiquei quietinha. Ele gritou de novo e entendi que se ninguém dissesse nada ele não ia parar. Olhei para trás e disse que ele precisava parar com aquilo porque estava muito feio agir daquela maneira. Ele seguiu gritando e perguntando se aquilo era rap. Expliquei que sim, que existem milhares de maneiras de fazer rap. “Rap é cantar de sutiã?”. Sim, rap é cantar com a roupa que ela bem entender porque o corpo é dela. Apontei que ele devia ter mais respeito e ouvir coisas novas porque estava se mostrando ignorante. Ele ficou quieto. As pessoas ao redor observaram. Minas sorriram e concordaram com os olhares – a gente tá cada vez mais acostumada a fazer isso pra apoiar uma a outra, principalmente em momentos em que nossa integridade física parece estar em risco.

Os caras sabem que estão fazendo merda. Não consigo acreditar que eles não saibam que não faz sentido não gostar de um som apenas porque é uma mulher no palco. Mas é um longo caminho conseguir abrir mão disso, dessa ideia do “rap de verdade”, que vem se impregnando desde o dia 1 da cena. E só piora quando a atração principal da noite tem uma postura como a do Raekwon, que elogiou a beleza das mulheres brasileiras e mandou gracejos – que por aqui a gente chama de assédio – a torto e a direito para as minas que passaram por ele nos dois dias.

No sábado, durante o show do Doce Brisa, projeto das MCs Sweet e Brisa Flow, um marmanjo também resolveu gritar. Ele dizia que elas deviam tocar uma “pesada”. Nota-se que ele não conhece Sweet, então recebeu uma bela resposta de apresentação: “Pesada é a vida das mulheres nessa sociedade todos os dias. A gente canta sobre isso”.

No domingo teve Rimas&Melodias e depois Flora Matos. No primeiro show, sete minas no palco e vários manos na plateia de braços cruzados e nenhum movimento de cabeça. Se você já ouviu o som delas sabe que é difícil não mexer, pelo menos, a cabeça.

É curioso que ninguém pediu que Rael mandasse uma pesada ou questionou se ele ainda fazia rap. Também não soubemos de ninguém falando sobre a roupa escolhida pelo Rincon ou narizes torcidos quando rolou um axé ou funk no show. Aos homens tudo é permitido – que bom, já que temos tido o prazer de ouvir discos incríveis, mas esse privilégio precisa chegar até as minas.

O público do rap ainda precisa aprender muitas coisas. Respeito é uma delas. Pluralidade é outra. Os eventos tem, também, esse papel. A escolha de atrações é quase educacional, é mostrar ao público que não tem mais volta no passado: o rap anda pra frente. Além disso, a gente não pode mais fazer de conta que um discurso antiquado e cheio de preconceito é aceitável. Não é. Não importa quanto a pessoa que o faz brilhou no passado ou lutou pela cena. A vida, a segurança e a integridade das mulheres importa.

Mas, Carol, o que mais você quer que os caras façam além de abrir espaço, como o Festival Batuque? Quero que os caras se coloquem e apontem dedos, como o Kamau fez ontem enquanto apresentava o evento e pediu respeito depois do show da Flora.

Você não precisa gostar só de uma coisa ou se recusar a curtir música feita por mina pra mostrar que é macho. A masculinidade é algo totalmente diferente, isso é só ignorância e pequenez.

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