Aproveitando o dia da Consciência Negra, trazemos uma indicação de filme que causou um grande impacto desde o seu lançamento em 1994, mostrando a complicada convivência entre negros, latinos e brancos no famoso bairro do Brooklyn, em Nova York. O filme é um marco na história do cinema e lançou mundialmente o diretor Spike Lee, assim como o grupo Public Enemy com sua pedrada musical, “Fight the Power”.
A análise feita por Lilian Januário não é uma simples resenha, pois traz um olhar atento a moda, destacando as cores, presença de camisas de times, boombox, sneakers, cortes de cabelo e muito mais. Perceba detalhes que não tinha prestado atenção e, se possível, tente assistir novamente essa grande obra que, apesar dos 26 anos de idade, ainda é atual e relevante.
Faça a Coisa Certa e a Moda
– por Lilian Januario
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Faça a Coisa Certa (Do The Right Thing, de 1994), de Spike Lee, é um clássico que mostrou ao público, em tom de comédia e drama, a política racial pela visão de Lee no bairro do Brooklyn, no ano de 1989.
O filme dos anos 80 continua atual, principalmente pela visão estética icônica, já que o figurino representa e promove a moda afrocêntrica e também nos ajuda a entender cada personagem, criando o senso de lugar. A produção se tornou referência de estilo para muitos que assistiram e se identificaram com o que viram, mostrando a força do cinema negro e trazendo elementos que vão além das roupas: cada parte do figurino é um signo que une a composição da história que o diretor quer contar.
Logo de início, como se fosse um clipe de Fight The Power do Public Enemy, vemos uma dançarina de vestido vermelho, jaqueta de couro, e por fim como lutadora de boxe
durante quatro minutos. As texturas movediças do filme e seus temas de violência, a música, o conflito e a provocação são prenunciados nesta seqüência.
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Muitas regatas, bermudas, muitos caras sem camiseta e as mocinhas de tops apresentam como será temperatura do filme anunciada logo de início pelo DJ Senor Love Daddy interpretado por Samuel L. Jackson: QUENTE, MUITO QUENTE.
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Quando Mookie chega ao trabalho, ele está vestindo uma camisa de baseball, do Brooklyn Dodgers, Jackie Robinson n º 42, um jogador negro e figura cultural importante da história afro-americana, e uma curiosidade: carrega um significado profundo para o cineasta, que por muito tempo planejou fazer um filme sobre o esportista pioneiro.
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Outra figura importante é o Radio Raheem e seu boombox sempre à mão que, de acordo com Lee, de certa forma é o carro dele, seu bem mais precioso.
Em um momento, Radio Raheem se gaba de seus anéis Amor e Ódio e explica o que eles representam, uma vez que além de incríveis, os anéis são também politicamente significativos, como Spike Lee explica: “Ele está perdido, como muitos na juventude negra. Seus sistemas de valores são todos asneira. Eles estão atrás de mais dentes de ouro, correntes de ouro e anéis de bronze. Eles não entendem o quão inútil aquela merda é a longo prazo. Eles ainda são negros, pobres e sem instrução. Ouro não vai mudar isso.”
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Um momento engraçado do filme acontece quando um branco passa e pisa no tênis de Buggin’ Out, um Nike Air Jordan, fica impossível não prender a respiração por alguns segundos. Você já pisou no Nike Air de alguém? É realmente uma das coisas mais aterrorizantes que podem acontecer na vida!!
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O incidente logo provoca reboliço e após a declaração do ciclista “… mas eu nasci no Brooklyn!”, Lee corta para a galera descrente com os braços no ar, exibindo trajes expressivos em vibrante de azuis, laranjas, pinks, limas, roxos e amarelos, colidindo ainda mais com o intruso que usava verde. A imagem, talvez mais do que qualquer outra no filme, exemplifica o brilho “afrocêntrico” desejado por Lee.
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Em outro momento importante, Buggin’ Out se revolta pela maneira que Sal, o dono da pizzaria e seus filhos, principalmente Vito (declaradamente racista) tratam seus clientes, afinal a pizzaria fica no Brooklyn e é frequentada quase exclusivamente por negros. Existe na pizzaria uma “parede da fama” com diversos heróis brancos e Buggin’ Out se irrita pela falta de personalidades negras – qualquer semelhança com o que vivemos hoje não é mera coincidência.
Ao reclamar, Out é expulso da pizzaria e a partir de então prega que a comunidade faça um boicote ao estabelecimento, o que não é muito aceito já que muitos cresceram frequentando a pizzaria e se habituaram ao tipo de tratamento que era dado.
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Juntam-se à Buggin’Out, Smiley e Radio Raheem (e seu boombox), que chegam na pizzaria para reclamar sobre o preconceito e então começa a confusão. A polícia aparece para apaziguar, porém é onde se dá a cena mais perturbadora (e infelizmente ainda tão atual) do filme: a polícia usa e abusa da autoridade sufocando Radio, até que vemos um close de seu Nike hi-tops chutando freneticamente o ar, em seguida, balançando sem vida.
Eis que em 2014, um caso assustadoramente parecido com o relatado no filme ganha vida
na mesma Nova York de Faça a Coisa Certa. Eric Garner, suspeito de vender cigarros ilegalmente, foi asfixiado até a morte por um policial, deixando como últimas palavras a frase “I cant breathe” (”Eu não consigo respirar). Piorando a situação, o responsável pelo assassinato de Garner foi inocentado, gerando uma onda de protestos pelos Estados Unidos.
Mais tarde no filme, a primeira imagem pós-motim é de um descartado Nike hi-top. Talvez uma das crítica mais sutis e fortes de Lee.
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Um quarto de século depois de seu lançamento, Faça a Coisa Certa é um marco no cinema afro-americano, visual e politicamente expressivo, que mantém o poder de entreter, chocar e provocar o pensamento em igual medida. É também um ótimo exemplo de como o figurino pode influenciar drasticamente na aparência de um filme, servindo também para nos aproximar de seus personagens e as contradições inerentes a eles.
Curiosidade: O velho Da Mayor em um momento diz para Moonkie fazer a coisa certa (daí o nome do filme), mas na época existiu o medo de o filme incitar um motim, já que a resposta para fazer a coisa certa seria uma cena onde Moonkie joga uma lata de lixo e quebra as janelas da pizzaria, iniciando assim o motim após a morte de Radio Radeen, uma forma de mostrar que os negros não aceitarão mais esse tipo de conduta.
Fight the power!
Alguns filmes nacionais que indicamos:
Besouro, de João Daniel Tikhomiroff
Lançado em 2009, Besouro conta a vida do filho de ex-escravos, Besouro Mangangá (o termo se refere a uma espécie de besouro de ferroada potente e que tenta explicar a mítica capacidade de fugir dos seus adversários) um capoeirista brasileiro da década de 1920, a quem eram atribuídos feitos heróicos e lendários, rendendo à ele status de herói.
(Achamos o link do filme completo no youtube. Assista acima!)
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Carolina, de Jeferson De
Interpretada por Zezé Mota, Carolina de Jesus ganha vida nas mãos do premiado diretor Jeferson De. Nascida em Minas Gerais, a escritora ficou conhecida pelo livro “Quarto de Despejo”, traduzido para mais de 15 idiomas, que transita com desenvoltura invejável da política para a economia e da política à criação literária como ponto da liberdade secular das mulheres negras. Seu impacto foi tão grande que sua originalidade foi questionado pela elite intelectual, majoritariamente branca, à época.
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