Já faz uma cota que Kayode tem chamado atenção, seja por sua versatilidade ou por parcerias que vão de Neguinho do Kaxeta e Boy do Charmes a Coruja BC1 e Primeiramente. O artista iniciou sua caminhada fazendo funk, mas tem encontrado no trap e no rap uma maior possibilidade de explorar a sua musicalidade.
Se você acompanha nosso Instagram, é possível que você tenha se interessado em conhecer mais sobre o Kayode depois que falamos lá sobre o lançamento do clipe “Aleluia” ou, talvez você o conheça, mas com o outro nome artístico que ele usava. O MC assinava suas faixas até pouco tempo atrás como Joker.
Esse trampo, aliás, exemplifica bem sua principal característica. Nele, vemos um MC sem medo de falar que “faz o que quiser”, mais do que isso, ele demonstra na prática, tanto na escolha do beat produzido pelo Paiva e pelo Nagalli, que tem um riff de violão marcante, quanto pela entrega e flow único. Mas não para aí. No clipe – aliás, uma superprodução feita pela Ogiva Filmes – Kayode vive uma espécie de Django dos trópicos, um caçador de racistas, num cenário inspirado nos filmes sobre o Velho Oeste Americano e que também lembra o jogo Red Dead Redemption.
Ele parou para trocar uma ideia com a gente sobre esse lançamento e também sobre sua carreira. Confere como foi:
Per Raps – Salve, mano! Só pra gente se situar, até pouco tempo atrás você assinava como Joker. Qual foi o motivo dessa mudança para Kayode?
Kayode – Salve família!A verdade é que eu ouço rap desde criança e sempre cultivei essa paixão. “Joker” surgiu quando eu estava na 8ª série, e tinha o sonho de ser MC. Eu sabia que Coringa era um personagem mais admirado do que o próprio Batman nas quebradas, e gostava dessa ideia. Mas, na época, o MC Kauan, referência do funk no litoral paulista, usava o personagem Coringa como um pseudônimo pro seus shows e tal. Mas eu gostava tanto da ideia que resolvi usar “Joker” ao invés de “Coringa”.E mesmo no rap eu usei o pseudônimo Joker por um tempo, mas era um nome que carregava uma energia e personalidade truculenta e até meio autodestrutiva. Quando as pessoas ouvem falar do personagem Coringa, é inevitável relacionar a violência e à loucura, e isso foge um pouco do que quero passar de verdade com meu trabalho, a intenção é realmente falar abertamente sem máscaras e ser eu mesmo a todo momento, por isso resolvi adotar meu sobrenome com nome artístico.
Per Raps – Você é da Zona Sul de São Paulo, certo? De qual bairro?
Kayode – Na verdade eu sou nascido e criado na Zona Oeste de São Paulo, na Vila Morse. Mas moro há 5 anos no Jd. Macedônia, Zona Sul de São Paulo.
Per Raps – Fala um pouco de como foi seu início no funk e dessa ida pro rap/trap?
Kayode – Um fato curioso é que teve um dia na faculdade de educação física, pra qual eu me matriculei, que eu subi andando vinte e dois andares do prédio errado. Atrasado pra aula, antes do intervalo eu sabia que aquilo não era pra mim e nunca mais voltei, essa minha transição foi como subir os 22 andares do funk.
Quando eu era novo, o funk era o que estava próximo, o que meus amigos ouviam todos os dias e a gente aprendeu que aquela era a nossa linguagem, nossa forma de expressão. Igual muitas pessoas crescem acreditando que a faculdade é a melhor forma de chegarem onde querem.
E com o passar dos anos eu senti e entendi que minha capacidade lírica e musical não precisava ficar só no funk e que eu poderia fazer o que eu quisesse.
Eu sempre senti que o rap me dava essa liberdade por ter a abertura de poder escrever mais e com muito mais sagacidade. O funk é um estilo musical que remete a diversão, o rap já traz em sua história temas bem mais complexos e mais necessários, mas isso não quer dizer que eu não possa misturar os elementos, acho que isso é o que o tempo me ensinou, aprender a misturar a cultura da periferia e transformar isso em uma nova voz.
Per Raps – Você consegue transitar de forma muito tranquila nos diferentes estilos. Vai do funk, passando pelo rap, chegando ao trap sem grandes problemas. Isso tem a ver com as coisas com as coisas que ouvia quando era moleque? Quais são suas influências?
Kayode – Com certeza! Posso dizer que já ouvi e curti de tudo. Sem que eu percebesse, a música esteve presente em todos os momentos da minha vida. Meus irmãos pagodeiros, minha mãe trabalhou por muito tempo dança africana, além do bairro que eu cresci que o que se ouvia pelas ruas. Ainda novo, eu ganhei uma fita com algumas faixas do “Sobrevivendo no Inferno” do Racionais MC’s e aquelas músicas definiram o que viria a ter como valores, ideias, conduta no bairro e até o caráter.
Posso dizer que sou fã de caras como Sant, Amiri, Don l, Marechal… e é claro, Mano Brown.
Per Raps – Você fez a releitura de clássicos do funk, como a “A Firma é Forte”, do Neguinho do Kaxeta e “Megane”, do Boy do Charme. Como foi ter gravado essas faixas?
Kayode – Pra mim foi muito louco ter a oportunidade de regravar esses hinos do Funk, porque apesar de já conhecer o NK eu ainda não tinha conseguido expressar com palavras ou músicas meu respeito por ele. E, graças a Deus, consegui externar essa admiração em “A Firma é Forte”. Em “Megane” eu quis romper barreiras mesmo, trazendo um dos artistas mais fortes que o funk já produziu como o Boy do Charmes, pra rimar com alguém que eu considero ser um gênio, que é o Coruja Bc1.
Então poder regravar dois hinos que marcaram não só minha infância como a de várias pessoas que curtem o funk é algo muito especial pra mim.
Per Raps – Você acha que o Funk e o Trap vão caminhar cada vez mais juntos? Esse é o caminho?
Kayode – Eu acredito que o trap e funk, apesar da semelhança que eu sei que existe, são ritmos de diferentes realidades, talvez até falem das mesmas coisas, mas em realidades e proporções distantes.
O funk nacional traz à tona toda linguagem expressiva das periferias daqui. Assim como o trap traz a cultura periférica dos gringos. Mas eu não preciso falar do abismo entre as duas realidades, ainda que as duas sejam desfavorecidas.
Eu realmente não sinto que sou a pessoa pra dizer se esse é o caminho ou não. Eu penso que a gente deve respeitar e apoiar tudo o que realmente fortalece o movimento e a cultura de preta de favela!
Per Raps – Vamos falar agora do clipe “Aleluia”, que aliás, não é só um clipe, é um filme mesmo. Como surgiu a ideia de fazer essa produção? No que vocês se inspiraram?
Kayode – O vídeo clipe de Aleluia foi inteiramente idealizado pelo meu mano Drum, da White Monkey Recordings, que, em parceria com Ogiva Filmes, executaram o roteiro que ele criou. Eu já tinha gravado a faixa mas ainda estava experimentando alguns timbres com o Paiva e o Nagalli. De cara nós pensamos se realmente devíamos pôr fogo em alguém, a forma como aquilo poderia ser visto. Mas, durante a pandemia, vimos inúmeros casos de violência policial, o descaso do governo com as pessoas, o que não é uma novidade e não deveria parecer tão normal.
Todo o levante da cultura negra no mundo inteiro deu a validade para nossa ideia, uma forma artística de protesto mostrando o que passa na cabeça das pessoas que lutam contra o racismo, a vontade de levar ao pé da letra o que o Djonga colocou em suas letras.
Per Raps – Como tem sido a recepção do público com a faixa e o clipe?
Kayode – Eu tenho visto as pessoas dizerem que nunca viram algo do tipo, que é muito novo. Eu fico muito feliz, apesar de sentir que o que eu fiz é comum pra quem gosta de música e, na verdade, nós estamos acostumados a ouvir as mesmas coisas sempre.
A galera tem o vício de gostar do lugar comum e quando percebo que esse trabalho tem chocado e até incomodado algumas pessoas, isso me fortalece porque mostra que estou no caminho certo. O rap não nasceu com o desejo de dançar, mas de incomodar mesmo, falar as verdades que ninguém quer ouvir ou não tem coragem de falar.
Per Raps – Agora, falando de futuro, você tem planos de soltar um álbum?
Kayode – Com certeza, estamos trabalhando muito nisso, inclusive. Este período de pandemia tem sido extremamente produtivo, temos aí muitos temas a serem abordados e muitos questionamentos sociais que temos em alta no momento.
Agora estamos finalizando as coisas, pensando ainda nos singles que virão antes de realmente poder soltar o disco completo, mas tenham certeza que está ficando foda.
Per Raps – Pra fechar, se você pudesse escolher um artista para gravar, qual seria?
Kayode – Tem vários, acho que posso ficar o dia inteiro aqui falando nomes que não seria suficiente, mas tem a maravilhosa Erykah Badu e, com certeza, o imortal Sabotage.
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