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– por Eduardo Ribas (@duardo)

Na noite deste sábado, o rapper, cantor, ator e roteirista Donald Glover aka Childish Gambino nos presenteou com uma bela canção e um clipe totalmente transgressor. Tudo aconteceu logo após sua apresentação no SNL (Saturday Night Live), tradicional programa de humor norte-americano que revelou os maiores nomes da comédia local.

O clipe, que alcançou 21 milhões de visualizações no youtube de sábado a segunda, começa despretensioso em um galpão com um coro cantando alegremente e um homem se sentando para dedilhar seu violão. Depois de um tempo, pessoas passaram a afirmar que esse homem é pai de Travyon Martin, um dos muitos jovens mortos pela brutalidade da polícia americana e desencadeou o movimento Black Lives Mater

Prestando atenção, o coro diz “yeah yeah yeah, vá embora”, ou seja, a música tem clima amistoso, mas não é nada receptiva.

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Na próxima cena, que vem em um movimento único da câmera, sem cortes, Gambino aparece sem camisa, barbudo e todo dançante. Até que o clima é quebrado com um tiro, em uma posição corporal que muitos associaram a uma clássica figura racista da história americana, o Jim Crow.

Contextualizando, o personagem surgiu de uma visão estereotipada e racista dos negros em época de black face feito sem peso na consciência, virando nome de política segregacionista instituída oficialmente em 1876 e vigorando até 1964, nos EUA. 

E é aí que as nuances do clipe e o mergulho nas contradições da América que o rapper quer mostrar chegam com força. A violência normatizada, mostrada com o cuidado que a arma ganhava pós-tiroteios no clipe em comparação aos corpos negros largados ou arrastados pelo chão, chega de surpresa, mas aparenta chocar única e exclusivamente no momento em que ela acontece. E a produção de Hiro Murai, diretor que trabalha com Donald Glover também na série Atlanta, vai além, trazendo camadas diversas, todas ali mostradas quase que juntas, promovendo uma nova descoberta a cada vez que você revê o vídeo.

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Crianças em uniformes aparecem dançando, o que de certa forma pode ser associado aos recentes e infelizmente corriqueiros tiroteios em escolas. O último, na escola Marjory Stoneman Douglas High School, em Parkland, gerou um efeito que desencadeou protestos por todo o país, mobilizando jovens em 800 cidades americanas e em outros países, contando com artistas e outras figuras notórias.

Aqui, o negro aparece como entertainer, o animador de palco que aparece dançando, cantando e sendo violento até o ponto que lhe é permitido. “This Is America, “don’t catch you slippin’ up”, ou seja, isso é a América, mas não mosca, não dá bobeira. Essa é a mensagem que vale para a maioria dos americanos, mas em especial aos negros, que podem exibir o dinheiro que ganharam, as correntes de ouro e mostrar toda a virilidade que lhe é cobrada e estereotipada ao longo de sua história com armas e cara de mau, mas até o limite que lhes é permitido. 

Mas e a SZA nesse clipe? Bom, essa parte ficou sem explicação em um primeiro momento, mas depois a própria artista postou em seu instagram dando a entender que servia de representação da Estátua da Liberdade.

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No meio da produção, um clima de rebelião ganha o pano de fundo das ações, enquanto a dança toma a frente. Isso é uma distração, que pode servir de metáfora para o papel que a cultura do entretenimento possui frente pautas populares. Em seguida, em uma pausa dramática,

Gambino  para com os braços esticados como se estivesse segurando uma arma. Nesse momento, é quase como se iniciasse uma reflexão sobre tudo o que vem acontecendo até então.

Logo depois, acende um baseado, aparentemente tentando relaxar e se afastar de tudo aquilo, em um dos únicos momentos tranquilos do clipe, inclusive sem música, até abandonar a ideia e voltar à dança freneticamente enquanto o coro retoma a música.

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O clipe e o som também falam de brutalidade policial, mostrada de forma subjetiva com um carro de polícia indo e vindo ao fundo, assim como a epidemia das armas de fogo na América e traz também um final que pode ser interpretado de mais de uma maneira, trazendo Donald Glover fugindo de um grupo de pessoas, brancas e negras, quase que como um escravo correndo do capataz sem rumo.

Pode ser que você não note, mas a música ainda traz a participação de Young Thug e Chance The Rapper, que são apenas figurantes. Apesar do clipe impactante, a letra é um espetáculo a parte e vale ser vista no detalhe. Cola lá no Genius.com.

Em um momento em que o rap parece se se apresentar como entretenimento puro, “This Is America” pode ser uma música festiva para uma pessoa desavisada dançando numa festa, mas na verdade é uma provocação ácida e um verdadeiro soco no estômago na América dos desavisados, da supremacia branca, do rap sem engajamento, dos tweets de Kanye West e da política do presidente Donald Trump.

Assista ao clipe:

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