O grupo traz em “Origens” uma pluralidade de sons e ideias reunidas na mesma faixa, que revela um pouco das raízes de cada uma das 7 integrantes

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– por Eduardo Ribas (@duardo)

Enquanto a sociedade caminha a passos curtos em direção a igualdade de gênero, ao respeito às diferenças de cor, origem e orientação sexual, na música temos a impressão de que esse movimento se dá a passos ligeiramente mais largos. Se alguns enxergam isso como uma doce ilusão, os agentes da mudança, que nem sempre se importam ou se veem como tal, seguem trabalhando.

No rap isso não é diferente. Assim como vimos recentemente o primeiro MC assumidamente gay (Rico Dalasam) impressionar marmanjos com seu flow e suas ideias, não é de hoje que vemos as mulheres batalharem por seu espaço na rima. Sejam elas MCs, DJs ou cantoras, muitas vezes seu papel é diminuído, sua participação é limitada e seu talento é colocado a prova a cada nova ideia de letra, novo single, EP, apresentação ou o que quer que seja.

Pioneiras como Dina Di, Cris SNJ, Rúbia RPW e Sharylaine trilharam um difícil, porém belo caminho que permitiu que meninas por todo o Brasil sonhassem em um dia rimar e cantar como suas precursoras. Tanto que, em 2017, podemos afirmar tranquilamente que é o momento em que mais temos representantes mulheres em cena, porém isso não significa que as coisas tenham ficado mais fáceis. Em meio a isso tudo, surge um grupo que traz cantoras de R&B, MCs e uma DJ, um dream team que em um ano já conseguiu mostrar a que veio.

Ouça “Origens” na playlist Novidades do Rap e R&B #4 no Spotify

A união das MCs Karol e Stefanie, cantoras e MCs Tássia Reis e Drik Barbosa, e cantoras Tatiana Bispo e Alt Niss mais a DJ Mayra fez nascer o Rimas & Melodias. O primeiro fruto desse projeto foi uma cypher, a última mania do rap brasileiro que também já teve sua vez na gringa, em que vários artistas se juntam para que cada um exponha seu talento em um beat que rola solto ao longo da sessão. Ao som de uma produção de 9th Wonder, as artistas explodiram em visualizações no Facebook e no Youtube, passando ali a serem convidadas para apresentações e fazendo da ideia de um disco menos voltado ao sonho e mais para a realidade.

O primeiro single do grupo começa a ganhar forma em uma conversa sobre as origens de cada uma das integrantes do projeto. Logo depois, veio a ideia de criar um beat que fosse mudando conforme se desenvolvesse, que trouxesse elementos que conversassem com a história de cada uma. Hora é trap, hora é funk, tendo uma virada para o house armênio. Daí nasceu “Origens”, uma música que ultrapassa os sete minutos de duração e convida o ouvinte a conhecer de um jeito mais íntimo as cantoras, MCs e a DJ. Em cada trecho, vivemos um pouco do primeiro contato com a música, a influência da família, os lugares que fizeram parte de suas histórias, entre outros detalhes.

É exatamente isso que fez Adriana Barbosa, a Drik, que tratou de falar da vila, das armadilhas, da família e dos ensinamentos de mais uma guerreira na vida. “Sou black, sou axé, sou do arroxa, os gêneros que mais tocam na quebrada. Foi o que eu cresci ouvindo e gostando. Influenciou muito na minha música e por isso que eu cito. Ndee Naldinho foi um dos primeiros MCs que eu ouvi, Claudinho e Buchecha, enfim. Eu quis homenagear minha mãe falando que ela tá mais foda ainda, quanto mais o tempo passa ela fica mais foda, mais forte e vai me inspirando mais. Onde eu cresci fez muito do que eu me tornei”, reflete.

E como na evolução da ideia na rima, às vezes o amor pelo rap cresce a partir de um outro espaço dentro da cultura hip-hop, como foi o caso de Tássia Reis. Tendo história no samba desde criança e inspirada em Missy Elliott e Ciara, a cantora primeiro se relacionou com a cultura pela dança e já ali conquistava pela irreverência no jeito de ser, nos looks e no cabelo. “A gente tinha uma crew e todo mundo tinha o cabelo crespo e enfim, fazendo uns look bafo. A gente chamava muita atenção e fez muitos amigos por conta disso. Mulheres e homens queriam dançar na roda com a gente e isso pra mim foi muito importante. Entender quem eu sou, não ter vergonha do que eu faço, não ter vergonha de quem sou eu, de dançar quando sentir vontade, eu me senti liberta com isso”, relembra.

Foi também observando os outros elementos do hip-hop, e em uma existência harmônica, fez a MC Stefanie mergulhar no rap, mas não só por isso. Também tiveram os tios, uma tia que tocava percussão e os primos, todos integrantes de escolas de samba. Inclusive, foi um deles que influenciou no quesito rap, gravando músicas em fitas K7 para a futura MC. Mas a principal influência foi o irmão DJ, já falecido, que tinha um bailinho conhecido na região, realizado na garagem protegida por lona. “Era um sucesso os bailinhos aqui no meu bairro. Desde pequena fui muito influenciada por tudo isso. Meu irmão tocava desde rap até os poperô da época, então eu não tenho um limite musical. Eu admiro a música, num contexto geral”, conta.

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crédito: Coletivo Estúdio Urbano @ Festival Supernova

Alicerce nos primeiros momentos da vida, a família de Tatiana Bispo foi a principal inspiração, especialmente seus avós, nordestinos (avó de Sergipe e o avô de Pernambuco) que vieram para São Paulo com um sonho de ter uma casa própria, que continuaram batalhando até o final da vida, sem perder o sorriso no rosto e o brilho no olhar. “Minha vó era daquelas que acordava 5 da manha pra fazer café cantando. Ela era cantora também (risos)”, recorda. Rever o passado fez Tatiana repensar até a sua relação com seu sobrenome, preterido durante uma fase da vida por ser comum demais. “Eu tinha amigas que tinham uma descendência da Europa, num sei da onde, tinha as minhas amigas japonesas com sobrenomes diferentões, o meu era um simples ‘Santos’, né. Então eu nem falava. E hoje eu acho que eu lembro disso até rindo de mim mesma porque é ridículo, né? Como que cê vai ter vergonha do seu próprio sobrenome, mas com uma família linda?”.  

A MC curitibana Karol de Souza também prestou homenagem aos seus familiares em rima, celebrando a mescla que fez com que ela se tornasse única. “A família do meu pai é toda portuguesa e a família da minha mãe, que é a parte preta, a gente num tem certeza, né? Por isso que eu falo ‘provavelmente Angola’, porque a gente sabe que a maioria dos pretos vieram mais ou menos daquela região quando foram trazidos pra cá”. Conhecida por alguns como brava e marrenta, Karol confessa que quem a conhece sabe que isso tudo é balela, uma forma de se proteger do mundo, e revela um lado espiritual que tem um papel importante em sua vida. “Sempre fico pensando como as religiões e a espiritualidade percorreram minha vida. Eu já frequentei espiritismo e gosto muito e hoje em dia eu pratico mais o budismo do que qualquer outra coisa, mas eu fui batizada na (igreja) católica e fui na umbanda quando criança, então eu quis colocar esses flashes afetivos. E lógico, você tem que fazer isso tudo rimando, com um swing, um flow e aí unir isso com o fato de eu ser de Curitiba, de ser do sul do Brasil e essas coisas estarem em linha”.

Nascida e criada na zona Sul de São Paulo, Alt Niss preferiu enaltecer sua quebrada, da qual se orgulha e sempre fala de sua “paz no caos”, o encanto que a região possui. “É justamente essa magia que tem na zona sul. Quando a gente fala de alguns artistas, sem desmerecer outras regiões, mas sendo bairrista nesse ponto, porque a zona sul tem uma magia diferente mesmo. No meio da merda toda, a gente conseguir ter de certa forma vários artistas que marcaram a história. Não só no rap. E no meu caso no R&B. Eu, por exemplo, conheço várias artistas que saíram daqui e tão vivendo de música em outros gêneros. Eu quis deixar esse ponto que centraliza, de dizer que de certa forma a gente sabe que as quebradas têm essa magia de tirar um diamante ali do caos”, pontua.

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crédito: Nice Lima

Todas essas mensagens ganharam vida, mas como representar as origens da DJ do grupo? A solução foi mostrar uma conexão por meio da música. Mayra é filha de mãe sergipana e pai descendente de armênios, de onde veio a melancolia do duduk, flauta típica da região, trazida em forma de sample na hora de criar o beat, que teve a estrutura desenhada pela própria DJ e finalizada pelos produtores Diamantee e Grou. A melodia foi loopada em um back to back, utilizando a técnica do turntablism, representando de um jeito original as raízes armênias.

“Quando eu era criança rolava um bullying com meu sobrenome, com meus traços diferentes, então demorei um pouco pra bater no peito e dizer que eu era armênia mesmo. Mas, com o passar do tempo, ouvindo as histórias da família fui me reconectando com essa minha origem. E depois que a minha vó faleceu em 2011, e depois meu pai, em 2013, eu me voltei absurdamente para a Armênia pra tentar me encontrar. A comunidade armênia fala muito sobre isso, sobre você se conectar, encontrar sua armenidade. E eu acho que a minha acaba sendo pela música. Tenho pesquisado bastante, ouvido bastante coisa de lá e foi aí que saiu essa minha primeira expressão artística inspirada na musicalidade armênia. Comprei inclusive um duduk esses tempos, quero aprender a tocar. Tem sido incrível esse momento”.  

O single está disponível nas plataformas digitais a partir desta sexta-feira, mas o clipe já havia sido lançado ao final do mês de julho (não deixe de assistir aqui). Nele, as integrantes do grupo esbanjam estilo e talento em clipe gravado no Red Bull Station com direção de Samukera e Brombini Dois G, tendo produção de AWLAWD. O disco do Rimas & Melodias se encontra em fase de finalização e deve ser lançado ainda em 2017. 

Quer mergulhar ainda mais nesse som? Cola no Genius e confira a letra na íntegra.      

*Crédito capa do single: Yago Perez

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