Ali entre os anos de 2002/2003 aquela onda da Black Music embalada pelo pop era predominante. Sons como Dilemma do Nelly e as parcerias musicais de Ja Rule e Ashanti tocavam em todas festinhas, carros, rádios, quebradas… Eu tinha acabado de sair do colégio e estava ingressando na faculdade, já era cabeçudo e esse som que agitava a cena gringa — consequentemente a juventude preta brasileira — não me contagiava, eu ouvia na boa, mas sentia que faltava algo que me conquistasse de vez, algo que fizesse eu sentir o que senti poucos anos antes com o The Love Movement (1998) do A Tribe Called Quest, ou com o Black Star da junção entre Talib Kweli e Mos Def (1999), o Like Water For Chocolate (2000) do Common e até mesmo com o famigerado legado de músicas prontas que Tupac havia deixado, mas não era isso que estava rolando na ânsia por novidades.

Minha expectativa começou a ser atingida quando iniciei o primeiro semestre na faculdade de jornalismo e fui apresentado a um tal de 9th Wonder, e muito bem apresentado pelo Daniel Sanchez, companheiro de classe que nos primeiros dias de aula me viu com um moletom da 4P e já encostou pra falar de Rap. Dessa turma aí do “Rap Underground” do início dos anos 2000 não tinha um conhecimento mais aprofundado como os grupos dos anos 90 até saber da existência de 9th, que me abriu a possibilidade de conhecer toda aquela galera da Justus League, uma banca feroz da Carolina do Norte. O Little Brother me pegou de cara! Ouvia o The Listening como se não houvesse o amanhã, até que certo dia na aula de jornalismo digital sentei em um dos computadores do laboratório e me deparo com a imagem de tela de fundo no desktop, onde a foto é de um casal se beijando em um campo sob o pôr do sol e com os dizeres The Foreing Exchange e Connected. Alguém tinha colocado ali. Na hora imaginei se tratar da capa de um disco, quando meu amigo de classe, Daniel, perguntou:

– Já ouviu esse aí?
– Não!
– Ouve. Você vai gostar.

Come Around foi a primeira que escutei, o que fez eu não sacar de imediato que era um outro grupo do Phonte, afinal os vocais da música eram inteiros interpretados por Darien Brockington, mas na sequência puxei All That You Are, “pô, é o Phonte!”. O disco completo caiu no PC (do trampo) — na época, baixar músicas no Soulseek ou E-mule era só alegria e internet banda larga era só no computador do trabalho — foi uma espécie de amor à primeira vista, ou melhor, a primeira ouvida.

O álbum Connected do The Foreign Exchange me cativou e a partir daí começou uma jornada em busca de mais informações sobre o projeto e seus filiados. Inicialmente formado por Phonte e o produtor holandês Nicolay, o nome era uma alusão à essa troca de moedas, de câmbio, uma conexão estrangeira que cruzava o oceano através da música. E o detalhe: Eles formaram o grupo sem se conhecer pessoalmente.

Phonte era a liderança de Charlie Wilson à frente do The Gap Band, Nicolay um maestro como Quincy Jones em seu tempo. Sobre as participações do projeto, Yazarah cantando em Sincere era como ouvir Mary Davis soltando a voz no S.O.S. Band, Darien como Lionel Richie no Commodores e ainda com os reforços de MedianRapper Big PoohOddisee e Kenn Starr era um time de respeito pronto para estar entre os meus grupos prediletos.

Connected passou, a base formada por Phonte e Nicolay já estava firmada e mais artistas transitavam por suas músicas como MuhsinahJesse Boykins IIIChantae CanJeanne JollyCarlitta DurandEric RobersonGwen BunnShana Tucker e Sy Smith durante seus 6 seguintes discos lançados após o icônico álbum de 24 de agosto de 2004. Com a entrada fixa do produtor Zo! e das cantoras Carmen Rodgers e Tamisha Waden, a dupla se tornou uma banda, e uma das mais completas na fusão do Rap com o R&B.

O som do The Foreign Exchange é mágico! Te prende, te encanta, te preenche, te motiva, te renova, te acompanha. Além de abrir minha cabeça para muita coisa em questão de música, me fez prestar mais atenção em todo esse lance de Underground/Mainstream, me fez ter paciência e compreensão com o que rolava nos diversos momentos da Black Music e me deu alternativas para não desistir de procurar por sonoridades em que pudessem conversar comigo em determinadas fases de minha juventude.

É trilha sonora para viajar— não consigo pegar um voo sem ouvir “Call It Home — para trabalhar, namorar, se divertir, chorar, se emocionar, sonhar… O The Foreign Exchange conseguiu causar esse impacto na minha vida, o The Foreign Exchange mudou a minha vida.

Daniel Sanchez
“O que mais me impressiona neste álbum é como, mesmo com pouca experiência e sem se conhecerem pessoalmente até então, Phonte e Nicolay montaram uma obra tão coesa e madura. A transição entre as faixas, as participações bem encaixadas, os temas abordados e atmosfera criada pelos beats do holandês fizeram do álbum um dos melhores da década passada na minha opinião. Com o passar dos anos, fosse com o Little Brother, Foreign Exchange ou em carreira solo, se nota como o Phonte pensa cuidadosamente na montagem e temática de cada álbum em que ele faz parte do processo criativo. Mesmo depois da era do streaming e exploração dos singles, ele nunca deixou de pensar na estrutura geral dos discos.”
Kamau
“O Connected foi algo que muita gente viu acontecer “organicamente” pela internet acompanhando os fóruns do Okayplayer.com. É uma versão anterior desses relacionamentos por aplicativo. Ouvi o Nicolay com o Little Brother no lado B do primeiro single do LB e já vi que “ali tinha”. Quando “Connected” saiu com todas aquelas participações foi além do que muitos esperavam. Por isso dura até hoje. Salute Nicolay! Salute Phonte! FE fam (and fan) forever!”
Aline Afrobreak
“Eu acredito que o Connected é muito mais que um álbum com boas produções musicais. Ele é um estado de espírito. É ouvir a “Be Alright” e sentir que tudo realmente vai se ajeitar. É repetir “I can feel the sun shining, no stress, I’m so blessed” como um mantra pra vida.
DJ Nyak
“Esse álbum veio numa fase muito importante da minha vida. Eu lembro que o disco saiu em 2004, mas eu fui ouvir em 2005, o Kamau me gravou um CD da Justus League e lá tinha esse disco inteiro. Quem me mostrou o The Foreign Exchange foi o Grou, a gente estava na Central Acústica e o DJ Marco tocou a “Nics Groove”, nisso descobri que era um dos projetos do Phonte, do Little Brother, um dos grupos que mais me identifico, que mais me inspiraram. Aí fui querer entender, saber como surgiu, aí descobri também que essa parceria surgiu antes do álbum com o som “Light Up” e eles se conheceram trocando ideia no MySpace. É um disco que me inspirou e inspirou muitos da minha geração.”

Não podia encerrar esse texto sem esquecer de um detalhe: a capa do Connected é sim inspirada no álbum Speak Like A Child do Herbie Hancock.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

quatro × dois =