Se você assistiu a série Rhythm + Flow, da Netflix, logo reparou em um dos concorrentes mais interessantes que passaram pelos palcos do reality. D Smoke,  rapidamente se destacou com sua autenticidade, estilo e mensagem.

Sua história, resumida durante os episódios, é marcada por detalhes interessantes ligados à música e do lugar de onde veio. E você a conhece com mais detalhes a partir de agora. 

Eu sou de Inglewood 

D Smoke, ou Daniel Anthony Farris (34), aparece logo no primeiro episódio do reality. Sobe no palco usando um macacão de zelador – à la pai do Chris -, e avisa a todos que é de Inglewood, California. Em seguida, realiza uma apresentação segura, mostrando a sua versatilidade ao rimar em inglês, sua língua nativa, e também em espanhol, o que surpreende todos os jurados. 

T.I. encara o uso dos dois idiomas como uma boa possibilidade de mercado. Cardi B o vê como um possível ghostwritter para suas músicas, mas um episódio curioso ocorre quando Snoop Dogg se dirige a ele. Snoop, num momento meio Provocações, tenta “quebrar” o rapper avaliado ao perguntar duas vezes seguidas “De onde você é?”. Sem titubear, D Smoke responde “Eu sou de Inglewood” e mantém sua cabeça erguida ao encarar Snoop, o que é avaliado como positivo, por transmitir confiança. 

Inglewood é uma cidade do condado de Los Angeles, CA. Sua população atualmente é dividida, majoritariamente, entre pessoas negras e latinas. E, como boa parte das cidades de L.A,. possui forte presença das gangues Bloods e Crips

Com isso em mente, é possível entender o orgulho que D Smoke sente ao falar de sua cidade natal. Ele, a pessoa que se tornou, o trabalho que realiza, tudo é fruto direto de viver nesta cidade. Por exemplo, sua vontade de falar espanhol nasceu exatamente porque vários dos seus amigos de escola falavam esse idioma, e aos 10 anos de idade, numa viagem que fez para o México, sentiu que havia a necessidade de aprender essa segunda língua. 

Ao ver as diversas disputas que aconteciam entre negros e latinos, D Smoke entendeu que essa rara habilidade que ele desenvolveu poderia auxiliar na conexão entre as pessoas dessas duas etnias. Buscando ampliar ligação, após se graduar na Universidade da Califórnia em Los Angeles, tornou-se professor de espanhol e utiliza esse idioma na maioria de suas composições. 

Contato com a música

No final dos anos 80, o pai de D Smoke foi preso por envolvimento com drogas. Tentando amenizar os impactos desse difícil período de suas vidas, a mãe de Smoke passou a ensinar ele e seus irmãos a tocar piano e os levava a igreja para terem aulas de canto. Isso, naturalmente, os aproximou da gospel music feita por Kirk Franklin e Fred Hammond.  

Além disso, outros sons permeavam a casa dos Farris. Músicas de artistas como Michael Jackson e Tina Turner também eram apresentadas a eles, já que a Sra. Farris havia sido, quando mais nova, backing vocal desses cantores. 

A influência não parava aí, já que o tio de D Smoke, Andrew Gouche, é um reconhecido baixista, que já tocou nas bandas de Prince, Michael Jackson, The Temptations, Destiny’s Childs, entre outros grupos. Estes fatos, portanto, formaram a base de referência musical da infância do rapper. 

Sir, Davion Farris, Daniel "Dsmoke" Farris - SiR's Album Listening Event
A Família Farris reunida para a audição do disco “Chasing Summer”, de SiR.

No entanto, ocorreu um fato que D Smoke considera da maior importância para ele e seus irmãos. Seu pai retornou do cárcere, o que fez essa proximidade com a música se tornar ainda maior, já que esse caminho foi visto como um meio de afastar os filhos dos problemas da adolescência.  Mais do que tudo, ele não gostaria que seus filhos repetissem o seu caminho. 

E o desejo do pai foi devidamente realizado. Todos seus filhos são músicos e trabalham com a música, de alguma forma. No próprio reality, Smoke enfatiza que a presença do pai o afastou das gangues e do lado violento de Inglewoood. 

WoodWorks Records

Voltando à música, Smoke revela que o seu plano na infância era o de ser um pianista clássico, e ele se esforçava para alcançar isto, mas algo mudou a partir do momento em que ele viu um beat sendo feito.

Ele revela que, aos 10 anos, seu tio tinha um estúdio caseiro e um dia desenvolveu um beat numa MPC, o que fez tudo mudar desde aquele momento. O sonho de ser um pianista foi trocado por outro: o de ser um produtor. 

E isso foi incentivado pelo seu tio, que, três anos após ter mudado para sempre o destino de Smoke ao fazer aquele beat, doou seu estúdio aos sobrinhos, para que eles começassem a produzir seus próprios sons. 

Assim, Smoke e seus irmãos continuaram a desenvolver suas habilidades até que, em 2006, formaram um selo chamado WoodWorks, que, teve os primeiros trabalhos voltados para a composição de músicas – uma delas foi “Never”, do cantor Jaheim, que atingiu um certo sucesso à época. 

Nessa época, o irmão mais novo de Smoke, SiR, começou a se destacar ao fazer raps, enquanto o próprio Smoke se dedicava à produção musical. Ele inclusive chegou a dizer que não conseguia se ver como um rapper nessa época. 

https://www.youtube.com/watch?v=aDrUbSwrDIk

Alguns trabalhos foram gerados durante esse período. Em destaque: Producer of The Year, de D Smoke (2006); EPs do trio N3D; Seven Sundays, de SiR (2015).

Convite para o Rhythm + Flow

No final de 2018, D Smoke decidiu que iria fazer um disco solo. Desta vez, além de produzir as faixas, iria também apresentar suas rimas nelas. Porém, ele ainda era pouco conhecido. 

Por mais que SiR, seu irmão, já tivesse uma certa popularidade por ter assinado um ano antes com a Top Dawg Entertainment – a gravadora independente que cuida da carreira de artistas como Kendrick Lamar, Schoolboy Q, Jay Rock, entre outros – uma certa competitividade era nutrida entre eles. Dessa forma, Smoke não usaria nenhum dos seus parentes para chamar atenção para o seu trabalho. 

Sendo assim, algo precisava ser feito. As redes sociais de D Smoke nessa época não tinha mais do que 7000 seguidores, um número pequeno para quem queria chegar longe. 

Então, uma estratégia foi pensada pela equipe da WoodWorks,  que seria a de postar nas redes sociais os freestyles de D Smoke nos dois idiomas que ele tem fluência: inglês e espanhol. 

A tática deu certo, pois, chamou a atenção do público e, principalmente, dos produtores do reality show Rhythm + Flow. 

Por conta disso, de forma natural o convite para a participação desse programa foi feito a D Smoke, o que ele não viu, num primeiro momento, com bons olhos. O rapper já estava gravando seu álbum e queria fazer um trabalho sólido e a má-fama dos realitys pouco ajudava a criar o interesse do artista. 

D Smoke demorou a confirmar sua participação no reality faltando, a fazendo apenas uma semana antes para o início das gravações, depois de se assegurar de que ele poderia apresentar seu trabalho sem edições bruscas e sem expô-lo ao ridículo. 

Então, os produtores executivos da série reiteraram que o objetivo do programa era sim o de apresentar artistas, mas, mais do que isso, mostrar como o Hip-Hop existe nas mais variadas formas. Portanto, não só a estética dos artistas seria analisada, mas também o conteúdo trazido por eles. D Smoke então viu isso como uma oportunidade para apresentar seu trabalho para o grande público. 

Participação no Reality

Como já dito, sua apresentação aconteceu logo no primeiro episódio chamou a atenção dos jurados. Vale dizer que, por mais que dois deles sejam mais novos que D Smoke – Chance, à época do reality tinha 26 anos e Cardi B tinha 27 – ambos possuem mais experiência enquanto rappers do que o MC de Inglewood. Chance tinha quatro trabalhos lançados, todos eles bem recebidos pelo público, sendo ganhador de vários prêmios da música. E Cardi B já tinha uma carreira bem estabelecida com suas 4 obras lançadas, sendo a primeira rapper solo a ganhar o Grammy na categoria Melhor Álbum de Rap, com seu álbum Invasion of Privacy. T.I., o mais velho da turma de jurados, é conhecido por ser um dos criadores da Trap Music. 

D Smoke, desde o início, mostrou ser o mais seguro entre os concorrentes. Fez apresentações surpreendentes, mesmo abordando temas que hoje parecem fora de moda. Em quase todas performances, trouxe o seu Conscious Rap à luz (aqui no Brasil chamamos esse estilo de Rap de Mensagem), mas o fez sem ser cafona ou engessado. Chance, o jurado mais crítico com relação ao conteúdo, ficava frenético ao ver Smoke se apresentando. 

O interessante é que, mesmo assim, vários fatores que poderiam surpreender o público foram guardados para cada apresentação. D Smoke não mostrou suas habilidades como produtor e musicista logo de cara, bem como em nenhum momento falou do seu famoso irmão. Tudo foi sendo descoberto ao longo dos episódios, que, aliás, valem demais serem vistos. 

Lançamento de Black Habits

No início de 2020, D Smoke finalmente lançou seu aguardado álbum. Black Habits chegou com 16 faixas, que falam, entre vários assuntos, parentalidade negra, práticas diárias importantes e, claro, como é viver em Inglewood. O disco por si só merece uma análise própria, que em breve deve aparecer aqui. 

https://open.spotify.com/album/2Xo2T02yqg7UqMUSe3KChX

Ele é, definitivamente, um artista que devemos acompanhar, tanto pela sua mensagem, que carrega forte posicionamento político, quanto pelo seu estilo musical ímpar, que busca juntar as comunidades por vezes esquecidas nos EUA. 

O álbum Black Habits está nas principais plataformas digitais. Acompanhe o instagram do rapper em @dsmoke7.

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