“Eu brilho no escuro
Escureço nas luzes
Livre da cadeia
Do orfanato dos adultos
Esse poema é a fiança da culpa dos inocentes”
Essas últimas estrofes de Doce, poema que abre “Escuro Brilhante, Último Dia no Orfanato Tia Guga”, resumem bem o que Rico Dalasam pretende compartilhar dali por diante. Serve de fio condutor para que ele abra o coração. Assim como o próprio título sugere, possui vivacidade, é colorido, alegre. Isso não quer dizer que a positividade se faz presente a todo momento. “Espero Ainda” retrata desilusões. Porém, a forma que Rico conduz coloca a esperança e o aprendizado em primeiro plano. Diferente de “Sol Particular” em que ele expõe desejos e “massageia o ego” para elevar a autoestima.
Dessa vez, o rap não ganha protagonismo. Nos 24 minutos e 12 segundos, existem intercalações de afrobeats, pagode baiano, baladas R&B e até uns beats carregados de trap (assinados por 808 Luke), que em cima do sample de “Nem Saudade”, sucesso dos anos 1970 interpretado por Eliana Pittman, elevam a potência de “Vicioso”. Mesmo soltando algumas rimas, num speed flow, em “Jovinho”, é nessa que mostra toda sua habilidade de MC de Rico Dalasam. Faz pausas, respira, pensa e expõe sua saudade – diferente de Eliana na original do sample. Depois de ouvir, impossível o destinatário da mensagem não chamar de novo imediatamente.
Antes, um outro poema faz a introdução e a ponte entre ela e “Quebrados”. Sem dúvidas, das 10, essa é uma das mais bonitas. Liniker também traz um brilho para a canção. Tanto a composição quanto a estética musical (nas suas devidas proporções) remetem à poesia de Djavan. É aquela música que quando toca, você fecha os olhos e deixa ela te levar. Um hit genuíno, que deveria estar na programação das principais rádios do Brasil e do mundo.
Na conclusão da trilogia iniciada com Dolores Dala Guardião do Alívio (2021) e Fim das Tentativas (2022), Rico Dalasam não deixa pontas soltas. Tudo está muito balanceado. As produções de Dinho Souza e Mahal Pita também foram essenciais para manter esse equilíbrio, possibilitando que os sons se conectassem. EBUDNOTG é objetivo, rápido, mas cumpre a sua proposta. Inspira, e também liberta. “Paixão Nova” amarra tudo, mas não dá um ponto final. É o grito da liberdade e o vislumbre da esperança. Os versos finais de “Sozinho”, apesar de não serem o fechamento, refletem essa vontade.
“Ainda sou o Rico da deixa
Que agora escreve com classe enquanto os medos se escondem
Pareço estar elaborado por ter tido namorados
E já não duvidar que eu posso ser ao lado
Eu já não seja tão garoto tendo 30
Olhando eu de 24, vivi as histórias mais lindas
Se agora mais maduro, um amanhecer não me basta
Já estive em tantas casas, o mundo me deu tantas noites
Quem sabe eu só virei a água que achou sozinho
O melhor jeito de ir mais longe”