Acompanho o Borges desde que o MC lançou “AK do Flamengo” juntamente com o Flacko — música que já conta com mais de 80 milhões de plays nas plataformas digitais — e, correndo o risco de ser taxado de bairrista, acho que o artista é uma das melhores surpresas que o rap já teve nos últimos anos.
Mais do que o ufanismo carioca — a famosa marra — , Borges estreou com uma naturalidade de quem se sentia “em casa”. Uma segurança que vai além da presunção dos artistas de rap, a segurança de quem sabe que tem algo para falar.
Não quero soar pretensioso, mas na minha opinião o artista conseguiu um feito semelhante a “Sulicídio” em sua faixa de estreia, com um empurrão conseguiu deslocar toda uma cena e todos os olhares pra si, e o melhor, sem diss. “All Eyez On Me”.
Indo na contramão do que os trappers/rappers (estourados) de sua geração naquele momento vinham fazendo, como Matuê e Recayd Mob, o artista que a época ainda era NGC Borges, bebeu menos na fonte dos gringos e mais do que estava a sua volta e conseguiu entregar um som muito mais local, misturando o rap com toda vivência do funk e da vida de cria. Essa vivência que por muito tempo teve o protagonismo de MCs de Funk como Smith, Tikão, Frank e Dido.
Talvez a perseguição da mídia carioca — e da polícia — a esses artistas e o crescimento do funk “Pop” tornaram essa musicalidade e esse tipo de crônica da cidade mais marginal e mais underground que o próprio funk. O movimento que o artista faz na faixa junto com o Flacko joga novamente o holofote para uma realidade que não toca somente o Rio de Janeiro mas muitas comunidades ao redor do Brasil.
Talvez soe injusto com outros nomes como Orochi e Filipe Ret que já circulavam bem nesse universo de mistura de ritmos, mas Borges conseguiu condensar toda atmosfera e canalizar toda essa vivência dos crias de uma forma que me chamou muita atenção.
Não é à toa que Orochi lançou o álbum pelo seu selo, o Mainstreet. O artista tem apostado em MCs que consigam fazer essa conexão entre uma música que soe mainstreem mas sem perder a ligação com a rua. Por isso nome do selo.
Mas nem só de AK do Flamengo e Proibidão vive o artista.
Em seu primeiro álbum, o “Intocável”, já mostra para o que veio e convoca nomes de peso como BIN, BK, MC Cabelinho, NGC Daddy e Kyan, além dos produtores Ajaxx, Jess Beats e Neo Beats.
Os assuntos importantes não passam batidos no álbum. O artista consegue condensar em nove faixas muito dos sentimentos e dramas compartilhados pelo jovem negro morador das favelas e periferias. Quase numa encarnação debochada e com blusa de time de Lima Barreto, Borges é um cronista — e do bons — dessa cidade partida, que é o Rio de Janeiro. Com uma caneta afiada, o cantor fala de forma contundente sobre saudade, traição, luto, racismo e também sobre amor.
Mesmo passando um tempo após o lançamento, “Intocável” é um álbum pra se ouvir com atenção mas sem perder o riso debochado porque Borges é tudo isso.
E como diria o artista: Ha Ha Ha Ha Haaa Borges!