Quem descobre o som de Alaafin recentemente se depara com características cada vez mais raras de se ver (e não estamos falando só de rap, mas da indústria da música em geral): a singularidade e a originalidade. Raphão é imprevisível no que se refere a rima, flow, temas, beats e conceitos. E esse ciclo de reinvenções não é de hoje.
Teve seu primeiro trabalho lançado em 2008, intitulado como Amostra. Naquele ano, a faixa “Futebol na Quebrada é Racha” foi muito pedida pelos ouvintes da 105.1 FM e o primeiro trampo foi realmente apenas uma amostra de tudo que estava por vir.
Desde então lançou alguns singles na internet, compilados e participações. Amadureceu seu estilo e nasceu Eu Gosto (2015), a mixtape Camelando e Sampleando (2016), e AGOSTO (2018).
Em Setembro de 2019, Raphão Alaafin presenteou a cena com mais uma track: “Mudei de novo”, que tem significado importante e foi escrita em 2 partes. Foi a primeira música que o Alaafin escreveu pós-álbum AGOSTO, exatamente no primeiro dia depois do álbum estar na rua. Ele estava em um trem indo pra Santo André escrevendo essa rima no beat do Dj TG. A música ficou guardada até o momento em que a DO MORRO PRODUÇÕES (Produtora audiovisual e fotográfica, autônoma e independente do Grajaú), junto com o 1º Andar Estúdio, fez o convite: gravar uma música e um clipe em uma oficina desenvolvida por eles. A música deveria ser inédita e a gravação do áudio e das imagens em um único dia. O refrão foi escrito no mesmo dia do processo, a música foi gravada na companhia de diversos jovens do projeto, que foram responsáveis pela captação das imagens e da criação do vídeo. Foi uma experiência única que resultou neste novo single, que dá o start para uma nova fase do Alaafin. De mudança física e mental, bem boombap, bem freestyle, lançada no dia do seu aniversário, abrindo portas para uma nova temporada. Morte do Raphão, nascimento do Alaafin, o Eterno Ciclo.
Alaafin falou com o Per Raps sobre o novo trabalho. Confira abaixo nosso papo:
Per Raps – Raphão Alaafin realmente virou Alaafin? Qual a história por trás desse nome?
Raphão para me diferenciar dos 378 “Rafaeis” que sempre tinham nos lugares que eu frequentava, e como eu era sempre o maior, aumentativo caia bem, e pra mim foi ótimo, pois meus ídolos sempre foram Sandrão e Helião, e é ridículo dizer isso agora mas Raphão começa com RAP, mas tira essa parte [risos].
Alaafin veio pra me dar conexão com minha ancestralidade. É o melhor de mim. Quando eu digo que estou matando o Raphão, estou me afastando da minha parte ocidental, dos velhos hábitos, miscigenação, ansiedade, descontrole, drogas, alimentos pobres, preguiça, procrastinação. Alaafin é meu lado resistência física, equilíbrio, força, foco, objetivo, conexão mente e corpo, impossível retirar todo o Raphão, mas posso deixar uma porcentagem baixa para ele, e deixar o Alaafin reinar, como tem que ser.
Per Raps – “Mudei de novo” é o start de uma nova fase, certo? Essa nova fase significa um novo disco ou um novo estilo? Conta um pouco do que está por vir.
Essa nova fase, é sobre o Alaafin reinando e comandando, isso trouxe mudanças de pensamento, mudanças físicas que as pessoas conseguem ver, mas é muito mais que isso. Estou sempre pensando em álbuns, músicas são fases. Por que meu último disco se chama AGOSTO? Para continuar o jogo de palavras AMOSTRA, EU GOSTO A GOSTO? Talvez sim, mas principalmente porque meu natal é em Setembro, eu queria mostrar que ali era uma fase pré-nascimento, a capa mostra isso também, uma preparação para este momento agora, que vou continuar com o DESGOSTO em 2019-2020.
Per Raps – O seu novo Single é pautado na mudança. Isso tem a ver com a mudança alimentar, rotina de exercícios e mudança de pensamentos ?
Mudei de novo eu escrevi 77% dela um dia depois que saiu o álbum A GOSTO, consegui lançá-la um ano depois em setembro, no dia do meu aniversário. Isso pra mim é simbólico, um ano depois da mudança que eu me propus a fazer, eu vinha falando muito sobre Mandume, sobre Alaafin, mas não estava vivendo isso, minha mente estava desconexa do meu corpo. Esse ano após A GOSTO eu usei pra me conectar novamente e lançar a Mudei de Novo. Foi lindo pra mim porque eu sei que deu certo, eu sei que fiz o que tinha que ser feito, independente do hype ou não da música, importante pra mim.
Per Raps – A produção deste trabalho foi bem diferente da dos seus anteriores. Gravar tudo em um único dia e fazer o refrão ali na hora te fez achar que faltaria inspiração e não rolaria?
Eu tinha 77% da letra, mas poderia ter 7% ou 0%, sempre vai dar certo [risos]. Infelizmente ou felizmente eu tenho essa confiança. A Rec Livre sabe, muitas vezes eu vou pro estúdio sem nada às 16h e às 23h a gente tá chorando com alguma coisa foda que saiu. Sempre vai dar certo, é só uma questão de horas trabalhadas, mas lá foi diferente porque eu tinha umas 20 pessoas olhando eu fazer, geralmente eu estou só, ou com o SEM e o BOMA neste processo. Isso foi diferente, mas rolou, só fingir naturalidade e absorver as energias boas, foi lindo ouvir comentários do tipo “carai, ele encaixou TAMANDUATEÍ na rima”, pois foi a mesma frase que eu disse quando ouvi RZO – “O trem”, e essa eu escrevi no trem, e pensei exatamente nesta sensação “porra como ele encaixou isso”, foi uma homenagem a certo modo.
Per Raps – De todos os artistas com quem você trabalhou, quem é o mais difícil ou o mais interessante de se trabalhar?
Puts, vou ter que falar dele aqui, ele não é músico, mas é um artista fantástico, o Cuti, Escritor e doutor em literatura brasileira, um dos fundadores do Quilombhoje e um dos criadores da série Cadernos Negros na década de 70 no qual publica seus textos até hoje, o Cuti me ensinou valores como organização, planejamento, pontualidade, tive a honra de realizar um projeto com ele chamado Prato do dia Pretume, onde a gente misturava rap, literatura, teatro, eu posso dizer que fiz o Cuti cantar rap [risos]. Se você marcava com o Cuti às 13h00 e chegava às 13h15, ele não estava mais lá. Assim que ele trabalhava. Então eu tomava muito cuidado pra não chegar atrasado e nossas reuniões eram 7 ou 8 da manhã em São Paulo, eu morando em Osasco [risos]. Era tenso, mas sempre deu certo. Foi a primeira vez que eu abri um calendário e marquei ensaio 6 meses pra frente, enfim, difícil e interessante, grande aprendizado.
Per Raps – Quais os seus projetos para o futuro?
Continuar me desafiando, me cobrando, me aprimorando e evoluindo em tudo que se refere a minha arte pra continuar me achando relevante, pois essa seria a única forma de me fazer parar, achar que não sou mais relevante.
Per Raps – Como você vê o cenário do rap nacional atualmente?
O Rap é foda, sempre cumprindo seu papel de encher jovens negros de orgulho, e fazer eles sentirem que podem tudo, isso é loko! Eu nao gosto de saudosismo, aprendo muito com as coisas novas, tento entender as fases e absorver as coisas boas, até porque eu me acho tão foda, que sou atemporal, o rap que eu faço hoje, pode ser em 2320, não vai ter igual. Por isso que eu continuo fazendo. O cenário ta da hora, ta do jeito que tinha que estar, e foi como deveria ter sido.
Per Raps – Vários artistas já te convidaram para fazer parcerias. Como esses encontros acontecem?
Complementando a pergunta de cima, duas coisas que ainda não entendi muito, que é playback e cobrar pra fazer feat [risos]. Esses dias um “xovem” me deu um salve e perguntou quando eu cobrava. [Eu] nem imaginava que tinha essa fita [risos]. Eu gosto de fazer música, gosto de conexões de mundos, quebradas, lugares, pensamentos. Chama na ideia. Se a ideia bater, vai ser da hora, vamo fazer. Um exemplo que aconteceu, o MC Vulgo Invasor de Barueri, o moleque era novão, ouviu meu som na Rádio e me achou. Eu falei “o que ce tá fazendo agora?”, ele “nada”, “então cola no centro de Barueri agora, pra nois trocar ideia”. Ali nasceu um feat e uma amizade. O moleque é verdadeiro, próximo da minha quebrada, por que não iria trocar essa ideia com ele? Da hora, mas tenha certeza se você quer mesmo o Alaafin no seu som [risos]. Escute minhas músicas, veja as coisas que eu falo, pra depois não se arrepender, pois acontece [risos]. “Raphão é louco”.
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