O Per Raps sempre foi um lugar para divulgar trabalhos interessantes de pessoas relacionadas à cultura Hip-Hop. Nessa nova etapa do site, abrimos ainda mais espaço e voz para que mais artistas visuais (ilustradores, fotógrafos, designers, etc.) contem um pouco de sua trajetória, falem de suas influências e mostrem suas obras. Nessa primeira entrevista, conversamos com o designer Lucas Rodrigues que, além de ter sido responsável pela direção de arte e desenvolvimento de capas de discos de rap pela Artefato, acabou chegando numa das principais empresas que lidam com Branding no Brasil, a Agência Ana Couto.
Início da carreira
Nascido e criado na Brasilândia, um dos distritos periféricos mais populosos de São Paulo, Lucas iniciou sua trajetória profissional em 2011, na gráfica da Editora Abril. Nesse espaço, ele pôde conhecer sobre todos os processos gráficos, o que foi positivo para ele, já que ele conseguiu entender a cadeia produtiva das peças. Junto a isso, ele fazia curso técnico no SENAI.
No entanto, mesmo compreendendo e achando interessante aquele meio, ele notou que a criação atraia muito mais sua atenção do que apenas a produção. Por isso, resolveu se dedicar ao design.
Passados três anos dessa primeira experiência, Rodrigues entrou em uma agência de marketing como estagiário. Graças ao salário que conseguia lá, pagava sua faculdade. Mesmo não tendo conhecimento de todos os recursos que necessitava para desenvolver seu trabalho, logo foi aprendendo, e pôde trabalhar com grandes marcas como a Jaguar, Volkswagen, P&G, Unilever, Petrobras.
Contato com o Rap
Lucas relata que seu contato com o Rap veio já na infância, ainda mais por morar na periferia da cidade de São Paulo, onde esse estilo musical faz parte da trilha sonora dos moradores:
Apesar de não ter alguém na família que é/foi muito próximo da cultura, a minha conexão com o Rap vem desde cedo. Lembro de quando eu era menorzinho, via os cara na função ouvindo ‘Capítulo 4, Versículo 3’ bem alto nos carros, e eu ficava em choque. Demorei pra assimilar o que era, mas aí aos poucos fui entendendo, fui vendo que minha mãe ouvia Racionais, Ndee Naldinho, Dexter… Também vi um dia que meu pai tinha um cd prateado com uma imagem de São Jorge matando o dragão, fiquei curioso e fui ouvir.
Na fase adulta, mesmo tendo uma alta demanda por conta do trabalho e também pela faculdade, Lucas encontrou tempo para se dedicar a um projeto que possibilitou que ele desenvolvesse ainda mais sua parte artística: ele passou a contribuir com o selo Artefato.
Neste espaço liderado pelo Negus (antigamente, Nego E), pôde trabalhar com vários músicos e outros artistas, desenvolvendo principalmente capas de álbuns e singles, mas também contribuindo com outras iniciativas, como o “City Hustlers”, material produzido para a Nike, que continha entrevistas com pessoas inspiradas pela cidade de São Paulo.
Tive uma experiência muito legal dentro da ATF, apesar de ter durado pouco tempo, rolou uma identificação legal com os trabalhos que era produzidos por lá. Eu vi a oportunidade de começar a me jogar na cena ali porque, de certa forma, eu não via uma preocupação estética quando os artistas soltavam seus trabalhos, até hoje na verdade poucos conseguem. E não tem problema nisso, mas um trampo bem construído em todos pontos de contato faz a diferença, né?
Em 2018, ano em que saiu da Artefato, foi convidado a participar da nova coleção da LAB para a C&A, que recebeu o nome de “A Rua é Nóiz”, principal frase que condensa a essência de Emicida. Mais de 80 peças foram feitas para essa coleção, passando pelas mais de 70 lojas da C&A no Brasil inteiro.
Eu gosto muito do processo de fazer uma capa, eu gosto de fazer uma imersão no som, tentar fazer uma imersão bacana, entender como o artista quer se expressar e transformar aquilo em algo tangível, resultado disso é que acho que não tem uma capa de single/álbum que eu tenha feito que não conversa com o som.
Refazendo o “logo” mais famoso do Brasil
Recentemente, Rodrigues participou da equipe que redefiniu a marca e o conceito da CBF – Confederação Brasileira de Futebol, ao entrar para Agência Ana Couto, uma das mais renomadas do Brasil ao se falar em Branding.
Antes de entrar na Ana Couto eu precisei passar por um processo de autoestima com o meu trabalho. Nunca me senti tão bom no que fazia, então precisei virar uma chavinha. Estudei mais, escutei mais pessoas que faziam o que eu faço, acompanhei mais trabalhos por aí, enfim, quis chegar mais alto e vi que dava, não era impossível. Então eu refiz todo meu portfólio pra mostrar quem eu era e o que fazia mesmo e mandei um e-mail pra lá com esse conteúdo. Dois dias depois recebi a resposta para uma entrevista e consegui entrar. E assim, dificilmente alguém entra nesse “grande mercado” sem indicação, ainda mais pra quem vem de onde a gente vem. Furar essa bolha não é fácil e sinto que parte da minha responsabilidade aqui é fazer com que o buraco dessa bolha não se feche novamente.
Sem dúvida, esse foi um dos trabalhos mais gratificantes na carreira de Lucas Rodrigues, que, aliás, é bastante inspiradora. A seguir, pedimos para que ele destacasse três obras e três artistas
Três obras – por Lucas Rodrigues
Ainda que todas os trabalhos tenham grande significado em sua carreira, pedimos para que o Lucas selecionasse 3 obras que realmente o impactassem e comentasse um pouco sobre elas:
LAB x C&A
Eu costumo dizer que provavelmente esse foi o “projeto da vida” pra mim. Tenho uma felicidade imensa de ter trabalhado com duas pessoas que foram essenciais pra minha formação profissional, até mesmo sem saberem. Primeiro foi por ter trabalhado junto ao Marcelo Lima, um designer aqui da Brasilândia também – acho que a Brasilândia é tipo o Vale do Silício e os cara nem tão ligado rs –, que em questões de representatividade foi muito importante pra mim. Outra pessoa foi o Emicida, que por várias vezes no fone foi aquele amigo que levanta a sua cabeça e te dá um empurrão, principalmente com a ‘Levanta e Anda’. Fazendo referência à uma das frases que ele diz no final do single AmarElo, com esse projeto, “te vejo no pódio” fez muito sentido pra mim.
CBF
Quanto ao processo da nova Marca da CBF, eu lembro que tinha dois meses aqui ainda, mas já tinha um contato legal com o pessoal. Em específico com um cara de Estratégia que era uma das poucas pessoas que dava pra falar de futebol. Quando anunciaram que ganharam essa concorrência pra fazer o rebranding da CBF, rapidamente eu acionei esse cara porque sabia que ele trabalharia no projeto e insisti bastante pra ele comentar com alguém pra me colocar no projeto. Enfim, deu tudo certo, trabalhei nesse projeto com mais dois designers e todo um time estratégico correndo junto. A pressão era enorme porque a gente sabia como o público poderia reagir, mas todos trabalharam com muito respeito, com muito empenho e embasamento técnico e teórico pra chegar num resultado bem consistente.
Nem preciso dizer que em todas as quebradas, em época de Copa, a gente pinta o escudo da Seleção Brasileira no asfalto, né? Agora imagina desenhar de verdade, pra mudar a história. Então, me senti tipo o Gabriel Jesus naquela foto lá.
RESERVADO
Eu tenho um carinho muito grande por esse trabalho, muito carinho também pelo Alexandre Ribeiro, autor do livro. O projeto gráfico foi uma construção muito interessante pelo fato de conseguir trazer referências e pontos de vista que foram construídos ao longo do tempo pela nossa vivência de jovens periféricos. Vai desde as longas e árduas horas que passamos dentro de um ônibus até a cor das casas brasileiras sem reboco.
Três artistas
Como aqui no Per Raps queremos fazer uma corrente positiva, pedimos pro Lucas indicar três artistas que ele acompanha o trabalho e acha que merece mais reconhecimento (podia ser nacional ou internacional). Se liga:
MARCELO LIMA
Como disse anteriormente, o Marcelo foi uma referência de possibilidade pra mim, porque eu não conhecia a profissão até conhecê-lo. Isso se faz de uma importância enorme pra gente. Falando de seu trabalho, ele já produziu diversos projetos gráficos e capas de singles e álbuns para o Emicida, Rashid, Fioti, por aí vai. Além disso, foi fundador de uma das Marcas pioneiras no universo streetwear brasileiro, a 13TREZE.
REJANE DAL BELLO
Eu conheci o trabalho dela no meio do meu processo de aprimoramento e autoconhecimento do meu trabalho e nível estético. Os trabalhos que ela realiza são atemporais e feitos com primor, alguns de seus trabalhos são focados em setores culturais e sem fins lucrativos. Coincidentemente, ela já teve passagem na agência em que atuo. Hoje ela tem um estúdio em Londres.
Felipe Rocha
Acompanho o seu trabalho há pouco tempo, mas pelo que já vi e revi, o Felipe está a frente de seu tempo quando se fala em design. Sempre fico surpreso com cada projeto desenvolvido. Hoje ele trabalha no Spotify em Nova York.
Se você ficou curioso e quer mais mais detalhes da obra de Lucas Rodrigues, acesse: https://lucasrodrigues.design/
Mensalmente, iremos apresentar artistas por aqui. Se você curtiu e quer ter seu trabalho divulgado, encaminhe um email para contato@perraps.com e vamos conversar.