Fim da Guerra Fria, globalização, popularização dos computadores, TV a cabo e internet – além de ainda viver a sua Golden Age – foi nesse contexto dos anos 90 que o rap viveu sua golden age e escreveu com caneta dourada seu nome na história musical.

As gravadoras tinham dinheiro, a MTV tinha nascido há pouco tempo, as pessoas piravam nas possibilidades da TV a cabo e compravam CDs. As capas e videoclipes ganharam status de obras de arte, não serviam mais apenas para fortalecer a linguagem do single ou do álbum. Agora, elas ditavam moda, exaltavam posicionamentos políticos e eram responsáveis por tornar conhecido, o que até então, era underground. Os registros visuais faziam parte do negócio agora, e isso contribuiu para o rap alcançar o mainstream de uma maneira poderosa.

As capas viraram cartão de visita, e gravadoras e artistas se empenharam na contratação de diretores de arte, especificamente, para pensá-las mais artisticamente. Algumas ficaram tão famosas que foram além dos 12×12 cm do encarte e viraram ícones pop pelas décadas que viriam.

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Dr. Dre puxou esse bonde com o seu disco “The Chronic” (1992) – a capa recria o rótulo de uma seda popular nos anos 90 chamada Zig Zag. Foi um estouro. Um adendo: the chronic também era uma gíria para maconha em LA.

Depois dele vieram Notorius B.I.G. com sua “Ready to Die” (1994), que viraria até estampa de camiseta da Supreme, décadas depois, por alguns dols, e NAS com a inovadora “Illmatic” (1994). Na capa, um jovem NAS sobrepõe um retrato do seu famigerado bairro, Queensbridge. Além da foto, NAS trouxe outra inovação estética mais sútil: Seu nome, foi escrito num estilo tipográfico que conhecemos como Olde English, um estilo que pretendia simular as fontes da nobreza. Será que ali NAS já reivindicava sua realeza?

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Também houve espaço para os ilustradores, como Joe Cool, primo de Snoop Dogg. Diz a lenda que Snoopy precisava de uma capa para o seu “DoggyStyle” (1993) e chamou seu primo – aquela velha história do primo que faz mais barato. Joe cobrou 25 dólares pelo desenho. Pegou elementos do Funkadelic – muito usados pela galera do G-Funk na época – misturou com algumas de suas ilustrações, escreveu uns trechos de “Atomic Dog”, do George Clinton, e voilà. “I didn’t think it would be iconic, man” (Eu não sabia que se tornaria um ícone, man), disse Joe uma vez. Mas foi, Joe.

O Outkast também se aventurou nas capas mais artísticas. Começou na pegada de ilustração no seu “ATLiens” e logo em seguida no que seria um dos seus mais marcantes álbuns, o “Aquemini” (1998). Pra essa capa eles deixaram de lado o estilo quadrinho futurista e apostaram num estilo mais Blaxploitation. A ilustração é toda inspirada nos antigos posters de neon da década de 80, cheio de psicodelias e simbolismos. A roda de signo ao fundo, por exemplo, é uma referência direta ao nome do álbum que nada mais é que uma junção dos signos dos integrantes, aquário (aquarius) e gêmeos (gemini). Um tanto quanto genial.

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No mesmo ano de “Aquemini”, 1998, o grupo A Tribe Called Quest lançou o que seria seu quinto, e até então, último álbum. Ainda sem anunciar o fim da banda, o ATCQ lançou o “The Love Movement”, completamente branco, minimalista e enigmático, título em preto e símbolos – que remetiam a posições do kamasutra –  em prateado. Uma capa que contrariava completamente os últimos álbuns ilustrados com obras extremamente coloridas e artísticas. O ATCQ anunciava o seu fim – porém, eles se reuniram novamente para lançar “We Got It from Here… Thank You 4 Your Service”, em 2016, poucos meses após a morte de Phife Dawg, um de seus integrantes –  nas entrelinhas.

Em 1999, “Things Fall Apart” (1999) veio mais pé no peito no quesito manifestação político-social. Com cinco capas diferentes, o disco levava o título ao pé da letra e refletia, em fotos espetaculares, o lado mais sombrio da sociedade. Uma igreja queimada, uma perseguição a estudantes negras em Bedford-Stuyvesant; a mão de conhecido chefe da máfia morto; uma criança chorando de fome na Somália; e um bebê em desespero após os ataques do Japão na Segunda Guerra Mundial. Todas capas extremamente impactantes e que conversavam completamente com o conteúdo do álbum. Quase um trabalho jornalístico.

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A FORÇA DOS VIDEOCLIPES

Mas não só de grandes capas viveu o rap 90. A década foi definitivamente a era dos videoclipes e suas tomadas em fisheye – estilo de lente de câmera – e planos fechados. Um exemplo é “Sky’s the Limit” (1997), do Notorious B.I.G. Planos fechados, fisheye e as versões jovens de B.I.G., Puff Daddy, Busta Rhymes e Lil Kim. “The Rain” (1997), da Missy Elliott, “Put your Hands Where My Eyes Can See”, do Busta Rhymes, são outros clássicos desse estilo. Hype Williams – que dirigiu os clipes de Busta e Missy Elliott – virou o mestre dessas técnicas, transformando-as em sua marca pessoal. Mas, pra mim, o grande legado do Hype pra história foi “Gettin’ Jiggy With It” (1997), do Will Smith. Quem não lembra da dancinha do refrão? Puro charme e sensualidade, daqueles que só Will Smith consegue nos proporcionar.

Também teve a galera que resolveu inovar e acertou em cheio na linguagem retrô-tech – que aliás, voltou à moda. “Scenario”, do A Tribe Called Quest, é praticamente um de “Volta para o Futuro” do design, com sua linguagem old school style de computador.

Nessa época emergiram os grandes diretores de clipes. Além do Hype, veio o Spike Jonze. Spike puxou a barca dos diretores, gravou – e atuou em – diversos clipes foda, como “Praise You”, do Fatboy Slim. Mas foi com “Sabotage” (1994), do Beastie Boys, que ele criou sua masterpiece, aquele que, pra alguns, é considerado o maior videoclipe da história – tá, talvez dispute com “Thriller”, do Michael Jackson.

A cara, meio Hermes e Renato, deixa transparecer a genialidade de Spike. São 3 minutos de cortes rápidos, tomadas de câmera de mão em movimento e mudanças de plano que acompanhavam o beat. Ele sabia usar os planos como ninguém e abusava dos planos de fuga e das diagonais em cena pra dar mais dinâmica e aumentar a sensação de que o espectador estava dentro do clipe. “Sabotage” é uma obra-prima até hoje e apresentava pro mundo aquele que se tornaria um dos mais conhecidos, e premiados, diretores da atualidade.

Pra finalizar nossa viagem no tempo, o fenômeno Lauryn Hill. Ms. Hill se apresentou ao mundo, em carreira solo, com seu single, pesadíssimo, “Doo-Wop (That Thing)”, em 1998. O single ficou quatro semanas seguidas no topo da Billboard e fez a rapa no Video Music Awards do ano seguinte (1999), faturando os prêmios de melhor videoclipe de R&B, melhor direção de arte e ainda o de melhor clipe do ano.

O clipe já apresentava, de forma quase literal, aquelas que seriam as características pela qual Ms.Hill ficaria conhecida. Filmado com uma tela divida, o clipe apresenta dois cenários distintos, mas completamente interligados, no lado esquerdo, o R&B e soul dos anos 60, e no direito, o hip hop dos anos 90. Mas não eram só as suas raízes e influências que Lauryn apresentava ali. No decorrer do vídeo, o que se vê é uma Lauryn melódica e dançante, atuando como um backing vocal suave no lado esquerdo, enquanto no direito temos a Lauryn maloqueira, com a ousadia do hip hop e flow potentíssimo. Essa síntese, a mescla dessas duas Lauryns – e a naturalidade como ela tocava isso – se tornaria, nos próximos anos, a sua marca pessoal.

BONUS TRACK

A bonus track da vez é talvez a história mais bizarra do maior documento fotográfico da histeria que foi o rap dos anos 90. A capa de “We Can’t be Stopped, do Geto Boys”. Cara, a história dessa capa é a coisa mais bizarramente engraçada e questionável da vida. Tudo começa com Bill, bêbado e sob a influência de diversas drogas numa discussão com sua namorada e pedindo – sim, pedindo– pra que ela desse um tiro em seu olho (depois ele esclareceu que isso era um golpe pro seguro, mas, enfim). Ela relutou, a briga foi ficando feia, e no meio da luta, a arma dispara e acerta o olho de Bill. Aquele desespero, corre pro hospital, liga pros parceiros, aquela loucura. Jordan (Scarface) e Dennis (Willie D) chegam no hospital e descobrem que Bill vai perder o olho mas ficará vivo. Eles descem até o hall do hospital, onde encontram seu empresário Cliff. Alguns minutos se passam e eis que Cliff diz: “Ei, que bom que Bill está bem, vivo, o CD está pronto, e o que faremos com a capa?”

Sim, senhoras e senhores, esse gênio criativo teve a ideia de, ali no hospital mesmo, pegar uma maca, colocar Bill e fazer a capa do CD. Tudo aquilo que você vê é real, Bill estava internado, arrancaram o tampão pra mostrar o olho inchado e cego. Bom, a única coisa não real ali era o telefone na orelha de Bill, puramente cenográfico, ele não falava com ninguém naquele momento. Durmam com essa. Quanto mais o tempo passa, mais os anos 90 se tornam icônicos.

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