image

No dia 22 de março aconteceu em São Paulo o show do rapper Valete, diretamente de Portugal. Valete veio para o Brasil para participar de alguns eventos da comemoração de 10 anos da Semana do Hip-Hop de São Paulo, um debate e um diálogo falando sobre a luta contra o racismo.

Nós do Per Raps estivemos por lá e conseguimos uma entrevista com ele. Demoramos um pouco para colocar no ar, mas valeu a pena a espera. Se você ainda não o conhece, aproveite para fazer isso agora, lendo essa entrevista!

Per Raps – Como aconteceu a oportunidade de você vir para o Brasil? Sabemos que você fez um show ano passado em Lisboa com o Emicida e conheceu o pessoal do Laboratório Fantasma. Nessa data importante – o show não é exatamente na data do Dia Internacional de Combate ao Racismo, mas você participou de palestras no dia mesmo e hoje você tá aqui fazendo o show. Como aconteceu isso tudo? 

Valete – Eu não sei se isso tem a ver com a passada do Emicida por Lisboa, mas eu recebi um convite da Prefeitura de São Paulo, através do Evandro Fióti e foi isso, mas não sei se há uma relação, não sei.

Per Raps – Como foi essa apresentação com o Emicida em Lisboa?
Valete – Ele fez vários shows, ele chegou a fazer só em Lisboa 3 shows num mês. Nenhum MC de Portugal faz 3 shows em um mês em Portugal, só o Emicida. E foi muito bom, ele tocou com Mos Def, as pessoas gostaram, foi muito bom!

Per Raps – Agora relacionando um pouco com a data, sabendo que você é um MC que é muito ligado ao lado político, suas letras mostram muito isso. A gente não pode estar presente nessas conversas que você participou, mas o que você pensa sobre esse avanço do combate ao racismo e o que você tentou passar para o pessoal nessa conversa de sexta-feira?
Valete – Eu tentei passar que a realidade portuguesa é muito diferente da realidade brasileira, muito diferente. Os negros em Portugal são menos de 5%, é uma minoria fácil de ser negligenciada. O que eu tentei passar foi que os primeiros rappers em Portugal eram negros e os primeiros rappers em Portugal foram também os primeiros negros figuras públicas em Portugal. Não existiam figuras públicas negras. Os primeiros foram rappers. Muitos jovens brancos em Portugal começaram a idolatrar rappers negros e isso foi mudando muitas das construções sociais que eles tinham da raça negra. Então o nível do combate por racismo foi muito bom, hoje os shows de hip-hop em Portugal são muito mistos, agora até a maioria é branca, é uma coisa muito mista. Temos muitos grupos em Portugal com brancos e negros. Então, eu acho que o hip-hop em Portugal foi o fator que mais influenciou esta diminuição do racismo em Portugal.

Per Raps – Como é viver de rap em Portugal sendo filho de imigrantes de São Tomé e Príncipe em um país que sofre com o racismo e a xenofobia? E qual o papel de um artista no contexto musical português?
Valete – É muito difícil, porque é um país muito pequeno. Então é relativamente fácil você ter uma tendência de ir para uma direção mais plástica, mais comercial quando você quer seguir uma carreira de música. Eu, inicialmente, não queria fazer música profissionalmente, porque eu sabia que era muito difícil. Aconteceu espontaneamente, eu fui fazendo músicas, as pessoas gostaram, hoje o público é grande, e é um público a quem eu devo tudo porque eles me permitem que eu faça o que eu quero fazer, o que é muito difícil. E em um país como Portugal, é realmente muito difícil. Eu sou um dos artistas mais privilegiados deste nível em Portugal, porque eles aceitam. Então, pra mim, essa resposta é fácil, eu tenho conseguido viver da música fazendo a música que quero e infelizmente pra muitos colegas meus, da minha área, isso não é possível.

Per Raps – O rap brasileiro é apreciado em Portugal, a gente sabe que o Gabriel Pensador já fez show por lá, os Racionais, o próprio Emicida. Mas infelizmente a gente não sente esse fluxo vindo de Portugal pro Brasil. Por que você acha que isso acontece e de que forma a gente pode mudar isso?
Valete – Acho que são duas questões: rappers que são muito grandes em Portugal – brasileiros, tem o Pensador, tem o Marcelo D2, esses são o mainstream em Portugal, porque tiveram uma máquina promocional muito forte que nenhum outro MC brasileiro teve. Eles tocavam muito na rádio, muito na televisão. Há rappers em Portugal que tem uma adesão muito mais orgânica, Os Racionais é uma coisa mais de subúrbio e periferia em Portugal, eles nunca tocaram em rádio e na periferia as pessoas adoram Os Racionais, Dexter, Mv Bill, o Emicida é mais da comunidade pobre, o Marechal. Ou seja, mais mérito pra esses MCs que não tiveram máquinas promocionais pra conseguirem chegar as pessoas. O pensador e o D2, tem projetos que eu gosto, mas foram muito apoiados pela mídia.

Per Raps – Falando sobre o Marechal e o Emicida, você acha que existe alguma possibilidade de colaboração, algum trabalho em conjunto, vocês chegaram a falar a respeito?
Valete – Ah, com certeza! O Marechal eu tenho uma música que eu acho que escrevemos em 2011, a princípio deve sair no meu álbum novo. E com o Emicida tivemos em Portugal falando sobre projetos e podemos fazer uma música também. Eu já fiz músicas com muito rappers brasileiros: fiz uma com o Rapadura que ainda não saiu, fiz com a Flora Matos e a Juju Gomes, fiz uma com o Gutierrez há muito tempo, em 2004. Então eu acho que naturalmente vai acontecer. E fiz uma com o Pensador para o meu álbum novo que ainda não saiu.

Per Raps – Existe uma tradição de samples de soul e funk dos anos 60 e 70 de muitos MCs de Portugal e no seu trabalho também tem isso forte. Você acha que na música portuguesa, passando do pop para ofado, existe material para bons para beats ou você prefere seguir essa linha?
Valete – Existe muito material bom para beat em Portugal. A questão é: a música portuguesa tradicional, principalmente o fado, é muito melancólica e triste. Se você quiser um beat melancólico, o fado é a melhor coisa pra ser sampleada. O Sam The Kid, que é um produtor de rap, ele tem um primeiro álbum que é quase todo com samples de musical tradicional portuguesa e muito fado. Eu tenho pena que os portugas usem pouca música portuguesa, eu tenho pena disso. Eu, se fosse produtor, usava muito mais porque é muito boa. Mas só funciona assim naquela linha mais melancólica.

Per Raps – Pra finalizar, a gente sabe que você é muito solidário a luta feminina e você fala isso nas suas letras. A gente queria que você fizesse só um comentário a respeito disso pra gente finalizar.
Valete – Eu teria muita coisa pra dizer, mas nós temos milênios de machismos instituídos em nós e todos os comportamentos machistas que nós reproduzimos são muito difíceis de nós tirarmos de dentro de nós, muito muito difíceis. E acho que uma luta que nós, rappers, temos que fazer, lembrando que o hip-hop também é um movimento progressista, de transformação da sociedade, o hip-hop fez muito pela luta contra o racismo em Portugal e em várias partes do mundo. Há outras lutas muito importantes que o hip-hop não está só não fazendo, como está participando dos estigmas. O hip-hop é uma das culturas artísticas e o rap, dos estilos musicais, que mais promovem homofobia, que mais promovem machismo. Então é uma incoerência total, quando você está promovendo machismo e está querendo combater o racismo. Então é isso. O que eu quero e a mensagem que eu deixo para todos os MCs é entender que a luta é igual. Que um homem que está numa luta anti-racial, tem que estar num combate feminista, numa luta contra o machismo e num combate contra a homofobia, sem dúvida. Eu acredito muito nisso!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

16 − quinze =