Existem algumas reações peculiares que um fã de RAP tem no seu arsenal que vão sendo exibidas uma a uma durante um bom som. Uma rima agressiva, e logo surge uma cara de quem cruza às margens do Rio Tietê em São Paulo com o vidro aberto; um grave que bateu depois de alguns segundos de espera, e o biquinho aparece no mesmo instante que o pescoço balança. Um beat que de repente se transforma em algo totalmente diferente do que era até então é um desses acontecimentos que instiga o leque do ouvinte atento. Para alguns MCs, beatmakers e produtores, uma melodia só, ou até mesmo BPM, não são suficientes para um som, e é aí que eles decidem mudar o rumo da música para um caminho pouco provável.
Existem faixas que deixam o suspense de lado e já avisam no nome que são praticamente a soma de duas partes diferentes, como é o caso de “The Season / Carry Me”, de Anderson .Paak. Algumas preferem o suspense e constroem a mudança ao longo do beat, como o BK fez com maestria em “Antes dos Gigantes Chegarem”. Já outras jogam na cara e te chacoalham quando você começava a entrar na batida, vide A Tribe Called Quest em “Mobius”.
Apesar de uma das músicas mais ouvidas de 2019 – “Sicko Mode”, de Travis Scott feat. Drake – fazer exatamente isso, não é assim tão fácil encontrar MCs usando essa técnica. Por isso, fizemos uma lista com 10 sons que viraram o beat de ponta-cabeça no meio do caminho. Bote o seu fone e avise o estoque de reações que o expediente vai começar.
Os 10 sons selecionados (e não rankeados):
1. “m.A.A.d City” — Kendrick Lamar / Produção: Sounwave e Terrace Martin
Variações em um som do Kendrick não são novidade. Do flow ao uso da voz, esse é um dos motivos que fizeram ele ganhar a atenção de todos. Não seria diferente com os beats. Kendrick é dos MCs que não faz cerimônia em trazer uma segunda parte para o som, como fez em “DNA.” e “The Art of Peer Pressure”. “m.A.A.d. City” consegue ser o som de pista e ainda te dar um tapa na cara logo em seguida.
2. Antes dos Gigantes Chegarem — BK feat. Luccas Carlos e Juyè Produção: JVNXS
O EP que anunciava o aguardado álbum sucessor de “Castelos e Ruínas” trouxe bons sons para os fãs do BK. Na música que dá o título ao trabalho, o fiel produtor de BK, JXNVS, constrói junto da voz do MC uma transição elaborada para o segundo ato do som, que passa pela mudança da bateria à redução do BPM. Mesmo já sendo citada no topo do texto, não poderia faltar essa na lista.
3. Eu Te Proponho — Racionais MC’s / Produção: Gedson Dias
Se alguém um dia teve o ousado sonho de um feat entre Mano Brown e Roy Ayers, “Eu Te Proponho” deu um gostinho de como isso ficaria. Na primeira metade da música, Mano Brown entrega talvez suas linhas mais românticas à frente do Racionais em cima da base de “Liquid Love”. E vamos combinar que fica bom demais. Quando o beat vira, parece que o sonho do “terreno no mato só seu” cantado em “Jesus Chorou” se transforma em um amor bandido na fuga dos federais e com “refúgio no mato”.
4. Da Lama / Afrontamento — Tássia Reis feat. Stefanie / Produção: Dia e Grou
A voz suave de Tássia e o beat nascido do jazz podem desviar o foco da letra forte que ela trás durante a primeira parte do som. As porradas da vida são cantadas com uma certa beleza poética por ela e Stefanie, até que a segunda parte da música entra sem pressa pra ser o pé na porta de quem vive afrontando os obstáculos.
5. Likwit Fusion — Lootpack / Produção: Madlib
Você, produtor, que está pensando em algo novo, sinto lhe dizer que o Madlib já fez. Em 1999, o gênio dos beats trouxe um de seus trabalhos mais crus, no bom sentido da palavra, e entregou bases agressivas para as rimas do trio, que lançaria com “Soundpieces: Da Antidote”, seu primeiro e único álbum pela Stones Throw Records. Em “Likwit Fusion”, o beat vira antes mesmo do primeiro minuto e vem ainda mais ácido do que em sua parte inicial.
6. Not Alike — Eminem feat. Royce da 5’9″ / Produção: CuBeatz, Ronny J e Tay Keith
Se você quer um Eminem inspirado, junte uma base de haters online para criticar suas músicas e assista a mágica acontecer. Depois de um “Revival” não muito bem aceito, Eminem precisou de alguns meses para lançar seu último álbum “Kamikaze”, com diversos ataques pessoais, flows característicos e também outros pouco comuns para ele, como em “Not Alike”. A sátira feita na base de trap na primeira parte da música dá lugar a um grave distorcido que faz a cama para mais algumas linhas atacando Machine Gun Kelly e mostrando que o homem estava brabo.
7. Apollo / Rude Bwoy — Amiri
Toda vez que Amiri volta com algum lançamento, a cena para e ouve atenta. Em 2016, o MC paulistano que deixou sua marca na clássica “Mandume”, do Emicida, veio com uma track que praticamente se divide em duas, e ajudou a impulsionar o levante lírico que se formava na época com o surgimento de diversos nomes que hoje estão consolidados.
8. Chrome (Like Ooh) — Rapsody / Produção: Ka$h e Khrysis
A rapper preferida do seu rapper preferido. Rapsody lançou em 2017 o álbum Laila’s Wisdom, que lhe rendeu uma indicação de melhor álbum de RAP no Grammy, além da reafirmação de que é uma das grandes liricistas atuais. Em “Chrome”, a rima afiada está presente como de costume, acompanhada por dois beats que envolvem mas deixam espaço para que ela possa brilhar.
9. Rosas — Febem / Produção: Cesrv e Go Dassisti
Febem é um dos MCs que parece apreciar as transições dentro de um beat. Desde os tempos de ZRM, com “Atmosfera Abstrata”, até seu recém-lançado álbum e a faixa “Fé de Jó”, ele explora a variação na roupagem de suas tracks. Em “Rosas”, de seu EP Prata, o rapper da zona norte de São Paulo reflete sobre a sua própria vida e sobre quem está ao seu lado em dois capítulos. A mudança do beat altera também o tom da reflexão, que sai da aura introspectiva para alguns dedos apontados na cara.
10. Cokewhite — Goldlink feat. Pusha-T / Produção: FWDSLXSH, MD$, Kurtis McKenzie, P2J e Sean Momberger
Indicação do @daneafx para a lista, Goldlink de fato é um MC que merece atenção. No seu recente álbum “Diaspora”, ele reafirma não só seu potencial musical mas também a verdade na sua caneta: “Eu sou comprometido com o movimento, você é comprometido com a onda”. A mudança do beat em “Cokewhite” usa de um recurso que foi muito usado na recente tendência de “cyphers” no RAP brasileiro, em que muitas vezes se muda o beat para a entrada de um novo MC no som.
Para ouvir mais sons em que o beat virou, acesse a playlist do Spotify que preparamos com essas e outras faixas:
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